sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019


O PODER EMANA DO POVO, MINISTRO!

João Eichbaum

“Todos são iguais perante a lei”: art. 5º da Constituição Federal. “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”: inc. IV do referido artigo 5º, da mesma Constituição Federal. “Ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”: inciso II do acima mencionado art. 5º, também da Constituição Federal. “Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros”: o art. 47 da Constituição Federal.

Se todos são iguais perante a lei, não pode haver diferença para os senadores. Sendo vedado o anonimato, eles têm a obrigação de mostrar para o povo quem escolhem para presidir aquela casa. Voto secreto é voto anônimo. E isso está vedado na Constituição.
Se ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, os senadores não poderiam ser obrigados a votar em segredo, porque não existe lei alguma, que a tal os obrigue. E não existindo norma constitucional que estabeleça votação secreta para a eleição do presidente do Senado, essa resultará da maioria dos votos, pura e simplesmente, conforme estabelece o art. 47 da Constituição.

E você, aí, doutor em Direito, mestre em Direito Constitucional, advogado de porta de cadeia, ou servindo cafezinho e varrendo a sala porque seu diploma de bacharel em ciências jurídicas e sociais ainda não lhe deu chance de conseguir um emprego na área, certamente está se perguntando: de que argumento se serviu o Toffoli, na calada da noite, para determinar voto secreto na eleição do presidente do Senado?

Ah, sabe onde? No Regimento Interno do Senado. Sim senhor, no regimento, porque lá está escrito, no artigo 60, que a votação deve ser secreta. Então o Toffoli disse, num tom acadêmico, a mesma coisa que diz o Arnaldo Cezar Coelho, comentando futebol: “a regra é clara”.

Para quem não sabe: regimento, na terminologia jurídica, é mero conjunto de normas procedimentais. Não é lei, porque lhe falta a propriedade intrínseca da lei, que é a coerção. Essa, a coerção, é o que distingue a lei de outras normas, porque somente a ela o inc. II do art. 5º da Constituição Federal empresta o caráter imperativo.

Na ausência de lei, ao invés do regimento interno, a lacuna deve ser preenchida, ou a dúvida deve ser resolvida, pela lei maior, que é a Constituição Federal, e não por normas meramente procedimentais. No caso, a Constituição não dá o mínimo sinal de que possa ser secreto o voto para a escolha do presidente do Senado ou da Câmara.
O voto do cidadão é secreto, por ser direito próprio e não delegado, mas os legisladores, como mandatários, não podem esconder do mandante, que é o povo, o que fazem em nome dele. O parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal é o filtro pelo qual deve passar toda a hermenêutica constitucional: “todo o poder emana do povo...” Se não passar por esse filtro, o Regimento pode ir direto para a lata de lixo.


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