sexta-feira, 1 de março de 2019


CRIME SEM LEI
João Eichbaum
Salvo o abalo das funções cerebrais por doença ou por corrosiva senilidade, nenhum estudante de Direito esquecerá uma lição ouvida nas primeiras aulas de Direito Penal: “não há crime, sem lei anterior que o defina”. Sendo essa uma regra basilar de Direito Penal, a Constituição Federal brasileira a consagrou no inciso XXXIX do artigo 5°.
Todo o mundo sabe que só o Poder Legislativo tem competência para legislar e que, portanto, só ele pode definir as condutas penais, ou seja estabelecer o que é crime.
Um partido político, não resistindo à coceira da demagogia, ingressou no STF com ação de inconstitucionalidade por omissão atribuída ao Senado, pedindo que aquele tribunal considere a homofobia como compreendida na “ampla definição” do crime de racismo. Em outras palavras, pediu que o STF substitua o Legislativo, criando um crime não tipificado por lei.
Com um discurso prolixo, enfadonho, gongórico, intoxicado por adjetivos e advérbios que repugnam ao comedimento da linguagem jurídica, o septuagenário ministro Celso de Mello introduziu no Direito Penal brasileiro a analogia como instrumento de hermenêutica: atendeu ao pedido, considerando a homofobia como uma extensão do crime de racismo. Trocando em miúdos: criou um crime não definido por lei.
Tese nenhuma justifica o rompimento de princípios básicos de Direito Penal. Menos ainda, malabarismos dialéticos, que outro efeito não têm senão o de barbitúricos verbais. E primários conhecimentos de criminologia ensinam: não é criando crimes que se combate o crime. A criação de um novo delito, sobretudo, é desnecessária quando existem outros meios para se punir, tais como agravantes e qualificativos, que aumentam a pena em condutas penais já existentes.
Uma visão crítica da realidade brasileira mostra que não adianta desenhar novos comportamentos penais, para gáudio de uns poucos enroscados nas próprias causas, quando a maioria esmagadora do povo respira o medo e a insegurança, e chora suas perdas, porque o Estado não tem domínio sobre a violência indiscriminada. E nem punir ele consegue, com seu sistema carcerário desmantelado e dominado por organizações criminosas.
O Supremo Tribunal Federal, depois dessa, tem a obrigação de comprovar a necessidade de sua existência. Senão, será tido como um tribunal feito só para sonhar, atrapalhando a vida de quem paga imposto para bancar os privilégios e pompas da realeza judiciária.


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