PORTARIA
SEM LEI
João
Eichbaum
Dizendo-se
guardião da “intangibilidade das prerrogativas do Supremo Tribunal Federal e de
seus membros”, o senhor Dias Toffoli expediu portaria, através da qual,
“considerando a existência de notícias fraudulentas (fake news) denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas
de animus calumniandi, diffamandi e
injuriandi, que atingem a honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, de
seus membros e familiares”, resolveu “instaurar inquérito para apuração de
fatos e infrações correspondentes...”, oferecendo “estrutura material e de pessoal
necessária para a respectiva condução”.
Fake news
não são notícias “fraudulentas”, mas notícias falsas, mentirosas, boatos.
Mentira não é crime. Ressalvadas as questões do âmbito eleitoral, não há lei
que puna a mentira por si mesma. Calúnia, injúria, difamação e ameaça são
crimes que dependem de “representação” do ofendido (art. 145, parágrafo único
do CP) sem a qual não há o “devido processo legal”.
É
da polícia (art. 144, § 1º, inc. I, e § 4° da Constituição Federal) a
competência para apuração “das infrações penais”, e não do Supremo Tribunal
Federal. Ao avocar para si uma função que lhe não é cometida por lei, o STF,
sim, estará usurpando a “prerrogativa” de outro órgão.
Os
princípios da impessoalidade e da legalidade (art.37 da CF) são desdenhados na
portaria, que arrasta para debaixo de suas asas até os familiares de ministros,
arranhando a moralidade. Ora, tal peça, de teor jurídico nenhum, pode levar
Toffoli a responder Ação Popular, nos termos dos artigos 6º, “caput”, e 2º,
letras a) c) e d) do parágrafo único da Lei 4.717/65, ao oferecer “a estrutura
material e pessoal”, para cavoucar notícias falsas, calúnia, injúria, difamação
e ameaças, por conta da verba destinada aos serviços do Tribunal.
Com
ressaibos de processo inquisitório e infusão de um latim inútil, a Portaria
invoca o Regimento Interno do STF. Mas, regimento não é Lei. O que é “interno”
só vale “intra muros”, para suprir lacunas legais. Desnutridos, desvalidos,
desamparados pela ciência do Direito, precedentes do STF e Resolução do Senado
não têm força para subverter a hierarquia das leis. E os ministros e seus
familiares não nasceram de deusas virgens, nem possuem virtudes que jamais teve
a humanidade, para se abrigarem à sombra seleta das exceções: todos são iguais
perante a lei.
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