UM ÍDOLO E UMA SENTENÇA
João Eichbaum*
A
imprensa é, contraditoriamente, idólatra e iconoclasta. Ela gera ídolos e os
destrói. Gera-os no útero das manchetes e espera as reações populares. Se
colar, colou. Geralmente cola: o ídolo cai no gosto do povo, que passa a
criá-lo.
Claro,
a imprensa sabe que o povo não vive sem ídolos. Trata-se de uma fraqueza que,
desde os tempos bíblicos, acompanha esse arcaico animal chamado homem. Foi
naquele passeio endemoninhado, do Egito até a Terra Prometida, tendo Moisés
como guia turístico, que o povo a revelou. Depois dos mandamentos de “não
furtar, não desejar a mulher do próximo” e outros, quando Moisés achava que
tinha o populacho sob domínio, eis que o surpreende adorando um bezerro de ouro.
Assim
é: o povo nunca dispensou seus bezerros de ouro. E os cria nos esportes,
especialmente no futebol, nas artes cênicas, na política, no mundo da beleza.
Parece que nada funciona sem bezerros de ouro. Os judeus, a quem Moisés guiava,
receberam a ordem de “amar a Deus sobre todas as coisas”, mas, deram de ombros e
criaram seu bezerro.
No
Brasil aconteceu coisa parecida. O povo cuidava que os ministros do STF usassem
a toga como insígnia de sabedoria, perfeição e pronta justiça. Mas, quando os
espetáculos judiciários começaram a mostrar aquela pompa sem brilho, mudou o conceito.
Então aproveitou um nome que brilhava nas manchetes e o adotou como ídolo da
justiça: o juiz Sérgio Moro.
Moro
passou a representar a honestidade, o rigor no trato com os meliantes de
colarinho branco, a mão de ferro para punir poderosos, o caminho para erradicar
a corrupção, o guante para sufocar os malfeitos dos governos do PT; enfim, uma
espécie de vestal criada pela imaginação popular.
Quando
se deu conta de que estava no altar dos ídolos, sem que tivesse almejado tal
condição, Sérgio Moro encarnou o papel. Abandonou a solidão e o anonimato, que
é o ponto de encontro dos juízes com a lógica da justiça, e passou a viver como
astro. Condecorações, homenagens, entrevistas, palestras internacionais e
tietagem, começaram a roubar seu tempo de meditação e de recolhimento, que
mostram ao juiz a verdade sombria debaixo das mentiras deslavadas.
Aos
poucos, sob o feitiço da glória e para corresponder à imagem que dele fazia sua
plêiade de admiradores, Sérgio Moro foi se desapegando da circunspecção, do
estreito espaço que seu vínculo com a toga permitia. Nessas circunstâncias,
aproximou-se dos acusadores de Lula, além do que seria recomendável para um
magistrado.
A
condenação de Lula arregimentou inimigos contra Sérgio Moro, tanto dentro como
fora das lides forenses. Além de acender flamas de ódio, alimentou invejas e
atiçou bandidos de todas as facções. E, em abandonando a magistratura para se
aliar a Jair Bolsonaro, Moro se expôs aos apedrejamentos da grande imprensa,
desapossada das benesses e proveitos de que sempre se aproveitou na história
política deste país. Agora, essa mesma imprensa que o gerou e o entregou ao
povo para que dele fizesse um ídolo, já levanta as marretas, fornecidas por
delinquentes, para destruí-lo.
*Advogado
e escritor
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