sexta-feira, 14 de junho de 2019


UM ÍDOLO E UMA SENTENÇA
João Eichbaum*

A imprensa é, contraditoriamente, idólatra e iconoclasta. Ela gera ídolos e os destrói. Gera-os no útero das manchetes e espera as reações populares. Se colar, colou. Geralmente cola: o ídolo cai no gosto do povo, que passa a criá-lo.

Claro, a imprensa sabe que o povo não vive sem ídolos. Trata-se de uma fraqueza que, desde os tempos bíblicos, acompanha esse arcaico animal chamado homem. Foi naquele passeio endemoninhado, do Egito até a Terra Prometida, tendo Moisés como guia turístico, que o povo a revelou. Depois dos mandamentos de “não furtar, não desejar a mulher do próximo” e outros, quando Moisés achava que tinha o populacho sob domínio, eis que o surpreende adorando um bezerro de ouro.

Assim é: o povo nunca dispensou seus bezerros de ouro. E os cria nos esportes, especialmente no futebol, nas artes cênicas, na política, no mundo da beleza. Parece que nada funciona sem bezerros de ouro. Os judeus, a quem Moisés guiava, receberam a ordem de “amar a Deus sobre todas as coisas”, mas, deram de ombros e criaram seu bezerro.

No Brasil aconteceu coisa parecida. O povo cuidava que os ministros do STF usassem a toga como insígnia de sabedoria, perfeição e pronta justiça. Mas, quando os espetáculos judiciários começaram a mostrar aquela pompa sem brilho, mudou o conceito. Então aproveitou um nome que brilhava nas manchetes e o adotou como ídolo da justiça: o juiz Sérgio Moro.

Moro passou a representar a honestidade, o rigor no trato com os meliantes de colarinho branco, a mão de ferro para punir poderosos, o caminho para erradicar a corrupção, o guante para sufocar os malfeitos dos governos do PT; enfim, uma espécie de vestal criada pela imaginação popular.

Quando se deu conta de que estava no altar dos ídolos, sem que tivesse almejado tal condição, Sérgio Moro encarnou o papel. Abandonou a solidão e o anonimato, que é o ponto de encontro dos juízes com a lógica da justiça, e passou a viver como astro. Condecorações, homenagens, entrevistas, palestras internacionais e tietagem, começaram a roubar seu tempo de meditação e de recolhimento, que mostram ao juiz a verdade sombria debaixo das mentiras deslavadas.

Aos poucos, sob o feitiço da glória e para corresponder à imagem que dele fazia sua plêiade de admiradores, Sérgio Moro foi se desapegando da circunspecção, do estreito espaço que seu vínculo com a toga permitia. Nessas circunstâncias, aproximou-se dos acusadores de Lula, além do que seria recomendável para um magistrado.

A condenação de Lula arregimentou inimigos contra Sérgio Moro, tanto dentro como fora das lides forenses. Além de acender flamas de ódio, alimentou invejas e atiçou bandidos de todas as facções. E, em abandonando a magistratura para se aliar a Jair Bolsonaro, Moro se expôs aos apedrejamentos da grande imprensa, desapossada das benesses e proveitos de que sempre se aproveitou na história política deste país. Agora, essa mesma imprensa que o gerou e o entregou ao povo para que dele fizesse um ídolo, já levanta as marretas, fornecidas por delinquentes, para destruí-lo.

*Advogado e escritor

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