sexta-feira, 4 de outubro de 2019


A MÃO DE DEUS
João Eichbaum

“Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele e depois me suicidar”, declarou Rodrigo Janot, que foi Procurador Geral da República durante dois mandatos, por obra e graça da dona Dilma Roussef. Em entrevista para o jornal Estado de São Paulo, Janot conta que tinha intenção de acabar com o Gilmar Mendes suas circunstâncias.

Mas como a ex-futura vítima Gilmar Mendes deve ser uma criatura muito bem vista e muito querida no reino dos céus, Javé resolveu deixá-lo na terra, para gozar das bem-aventuranças deste país e de Portugal, enquanto tiver mão para protegê-lo.

O testemunho do próprio Rodrigo Janot arreda qualquer dúvida sobre a intervenção divina: “Mas foi a mão de Deus. Foi a mão de Deus. Cheguei a entrar no Supremo. Ele estava na sala, na entrada da sala de sessão. Eu vi, olhei, e aí veio uma mão, sim”.

E Rodrigo Janot falou isso em tom de agradecimento e não de revolta. Se soubesse o que lhe iria acontecer depois, talvez ele mudasse o discurso. Talvez até xingasse mãe de Deus, por ter sido impedido de livrar os brasileiros das noites trevosas, encompridadas por pesadelos com Gilmar Mendes. Talvez tivesse se arrependido de não ouvir a voz do capeta: “segura na mão de Deus e vai”!

Enfim, sem ser pedido nem chamado, Deus compareceu ao STF para proteger o único dos mortais que obtém milagres do altíssimo, sem necessidade de engatinhar nas procissões da Aparecida, ralando os joelhos no paralelepípedo. Gilmar Mendes, a continuar assim, talvez nem precise morrer, para ser declarado santo pelo papa Francisco: de certo será anunciado como herdeiro dos juízos de Deus.

Talvez por isso, por ser um dos privilegiados pelas bênçãos do Altíssimo, ele conseguiu, através de seu colega Alexandre de Moraes, a graça de transformar o pecado em crime. Para quem não sabe: até antes desses barracos todos, personificados pelos artistas de toga dessa pátria que requer estômago, “maus pensamentos” só eram pecados. Só podiam ser julgados por confessores, que detêm a jurisdição divina para condenar e absolver, condenando a rezar dezenas de ave-marias, mas absolvendo os maus pensamentos. Agora, desde a semana passada, mau pensamento é crime também.

Tanto assim é que, acionada por Alexandre de Moraes, a polícia federal entrou em ação, fazendo busca e apreensão na casa do Rodrigo Janot, à procura de maus pensamentos, certamente. Por via das dúvidas, apreendeu uma pistola, um tablete e um celular. Além disso, o ministro Moraes proibiu a Rodrigo Janot de se aproximar a menos de 200 metros de qualquer das excelências do Supremo Tribunal Federal, cujo solo, sagrado, o mesmo Janot não poderá pisar, nem descalço.

Tudo isso por conta dos biscates em Direito Penal e Processo Penal que o Toffoli e o Moraes andam fazendo, a partir de qualquer fato que tenha fummus mali juris, seja por pensamentos, palavras ou obras, contra a mais suprema de todas as cortes do mundo, o Supremo Tribunal Federal: a corte que, agora se sabe, conta também com a proteção a divinis, a mão de Deus.


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