sexta-feira, 18 de outubro de 2019


A SANTA E A CONSTITUIÇÃO
João Eichbaum
Lá estão na foto: o Mourão com sua cara de índio solícito, o Rodrigo Maia e o Alcolumbre, com os traseiros gordos acomodados nas cadeiras na frente do altar. Ao lado deles, as respectivas caras-metades. Na fila de trás, meio encoberto, o Dias Toffoli e, no ano oitenta e sete de sua imortalidade, o indefectível José Ribamar Sarney, com um ar desamparado de velho e, certamente, cheirando a perfume de remédio. Além desses, outros políticos havia, exibindo um decoro inflexível, que não mostram na galeria das confusões, também conhecida como Parlamento. Inclusive o Procurador Geral da República lá estava e lá ficou até a semana passada, não se sabe “procurando” o que...

 A primeira perguntinha que surge na ponta da língua é: eles pagaram a viagem, os hotéis, os deslocamentos, os lautos jantares, a companhia das pudicas madames que os resguardaram contra a sedução das belas italianas? Ou foi tudo por nossa conta, nós bancando o passeio para eles e suas mulheres oficiais?

Ainda que mal pergunte: foram fazer exatamente o que, lá no Vaticano? Assistir missa? Rezar pelo Brasil, pelos brasileiros? Assinar como testemunhas no livro das canonizações, que a moça foi santificada? Exibir para o mundo a formosura de suas almas?  Ou foram só fazer figura de católicos, religiosos, oferecendo o óbulo de suas augustas presenças ao Vaticano? Será que a canonização da santa seria menos brilhante sem essas figuras por lá?

Pense bem. Você, que tem a cabeça no lugar, que raciocina, que procura a lógica, a moral, o sentido prático da vida, você iria tirar seu traseiro da cadeira, pegar dinheiro do banco, pagar juros, se encalacrar de dívida, só para ir ver, de corpo presente, o papa declarar santidade de uma freira que você nem conheceu?

Mas, se você fosse político, você iria, não? Desde que o erário bancasse suas despesas, seu belo passeio pela Itália, seus prazeres de cama e mesa, certamente. Afinal, você sendo político, ganhando diárias, jetons, horas extras, verbas de gabinete, verbas para transporte, comunicação, auxílio moradia, plano de saúde, sentir-se-ia na obrigação de prestigiar a canonização da santa dos pobres. Assim, sua presença comoveria a santa e a levaria a dar um jeito na pobreza do Brasil, não é verdade?

Viu como são as coisas? Você estava pensando e falando mal dos políticos que foram a Roma, se valendo dos impostos que você paga na marra, mas agora reconhece a grandiosidade do gesto deles. Eles se entregaram ao sacrifício, a fim de erradicar definitivamente a pobreza no Brasil, cumprindo o disposto no inc. III do artigo 3º, Título I, da sonhadora Constituição Federal do Ulisses Guimarães.

Então, demos graças ao papa argentino e aos políticos brasileiros que foram prestigiar a canonização da irmã Dulce, a santa dos pobres: virá do céu a bem-aventurança peremptória do fim da pobreza, decretado na Constituição, mas que até agora só tinha beneficiado a família do Lula.


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