A SANTA E A CONSTITUIÇÃO
João Eichbaum
Lá
estão na foto: o Mourão com sua cara de índio solícito, o Rodrigo Maia e o
Alcolumbre, com os traseiros gordos acomodados nas cadeiras na frente do altar.
Ao lado deles, as respectivas caras-metades. Na fila de trás, meio encoberto, o
Dias Toffoli e, no ano oitenta e sete de sua imortalidade, o indefectível José
Ribamar Sarney, com um ar desamparado de velho e, certamente, cheirando a
perfume de remédio. Além desses, outros políticos havia, exibindo um decoro
inflexível, que não mostram na galeria das confusões, também conhecida como
Parlamento. Inclusive o Procurador Geral da República lá estava e lá ficou até
a semana passada, não se sabe “procurando” o que...
A primeira perguntinha que surge na ponta da
língua é: eles pagaram a viagem, os hotéis, os deslocamentos, os lautos
jantares, a companhia das pudicas madames que os resguardaram contra a sedução
das belas italianas? Ou foi tudo por nossa conta, nós bancando o passeio para
eles e suas mulheres oficiais?
Ainda
que mal pergunte: foram fazer exatamente o que, lá no Vaticano? Assistir missa?
Rezar pelo Brasil, pelos brasileiros? Assinar como testemunhas no livro das
canonizações, que a moça foi santificada? Exibir para o mundo a formosura de
suas almas? Ou foram só fazer figura de
católicos, religiosos, oferecendo o óbulo de suas augustas presenças ao
Vaticano? Será que a canonização da santa seria menos brilhante sem essas
figuras por lá?
Pense
bem. Você, que tem a cabeça no lugar, que raciocina, que procura a lógica, a
moral, o sentido prático da vida, você iria tirar seu traseiro da cadeira,
pegar dinheiro do banco, pagar juros, se encalacrar de dívida, só para ir ver,
de corpo presente, o papa declarar santidade de uma freira que você nem
conheceu?
Mas,
se você fosse político, você iria, não? Desde que o erário bancasse suas
despesas, seu belo passeio pela Itália, seus prazeres de cama e mesa,
certamente. Afinal, você sendo político, ganhando diárias, jetons, horas
extras, verbas de gabinete, verbas para transporte, comunicação, auxílio
moradia, plano de saúde, sentir-se-ia na obrigação de prestigiar a canonização
da santa dos pobres. Assim, sua presença comoveria a santa e a levaria a dar um
jeito na pobreza do Brasil, não é verdade?
Viu
como são as coisas? Você estava pensando e falando mal dos políticos que foram
a Roma, se valendo dos impostos que você paga na marra, mas agora reconhece a
grandiosidade do gesto deles. Eles se entregaram ao sacrifício, a fim de
erradicar definitivamente a pobreza no Brasil, cumprindo o disposto no inc. III
do artigo 3º, Título I, da sonhadora Constituição Federal do Ulisses Guimarães.
Então,
demos graças ao papa argentino e aos políticos brasileiros que foram prestigiar
a canonização da irmã Dulce, a santa dos pobres: virá do céu a bem-aventurança
peremptória do fim da pobreza, decretado na Constituição, mas que até agora só
tinha beneficiado a família do Lula.
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