O SUPREMO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS
João Eichbaum
Mais
uma vez, o Supremo Tribunal Federal trouxe à carga a questão dos efeitos da
sentença criminal, sob os holofotes do art. 5º, inciso LVII, da Constituição
Federal: “ninguém será considerado culpado, até o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória”.
Esse
texto, que mais figura faria numa antologia poética do que na realidade
cotidiana de qualquer país habitado por animais humanos, tem sido tratado como
dogma de uma instituição divina, nos últimos tempos. Note-se: a Constituição,
na qual ele foi inscrito, é de 1988. Mas, só agora, passadas mais de três
décadas, ele está sendo incensado como um mandamento promulgado por deuses. Por
que? Será que, nesses trinta anos, ninguém foi tido como culpado e, por isso, preso,
antes que transitasse em julgado a sentença? Só agora essa quimera
constitucional vem mostrar sua importância?
Não
adiante querer tapar o sol com a peneira, como fez o Toffoli, dizendo que a
volta desse tema não mira os interesses de alguma pessoa em particular. O
tamanho da realidade é muito maior do que as descabidas explicações do
presidente do STF. Até os papagaios falantes sabem que essa realidade se chama
Lula.
De
pobres jogados na cadeia e lá esquecidos o Brasil está cheio. Mas um
ex-presidente preso não só é um prato apetecível para que ministros do STF se
esbaldem, criando teses e empastelando seus modorrentos discursos com
vocabulário catado no dicionário, como é uma questão que envolve inegáveis
interesses políticos. É assunto de que ninguém escapa. É tema para dissensões e
atritos: milhões querem Lula na cadeia, outros milhões o querem fora do sistema
carcerário.
Adormecida
como uma princesa durante trinta anos e despertada por um ósculo pegajoso do
Lula, a “inocência presumida” parece que andou sacudindo alguns sustentáculos
do sistema. Atiçado por manchetes, o requentado tema teria criado um clima de
erosão social.
Sentindo
ameaças de “bullyng”, o septuagenário Celso de Mello lançou mão de seu
gongórico discurso salpicado de adjetivos. “O país vive um momento extremamente
delicado, pois de sua trajetória emergem, como espectros ameaçadores, surtos
autoritários e manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade
civil, agravados pelas atuações sinistras de delinquentes que vivem na atmosfera
sombria do submundo digital” – disse ele.
“Surtos
autoritários” têm vindo, isso sim, do Supremo Tribunal Federal. Desde que
operou a reforma constitucional do §3º do artigo 226 da Constituição Federal, o
STF vem se arvorando em poder dos poderes, legislando e se intrometendo na
competência privativa do Poder Executivo. O epíteto de “atuações sinistras”
serve muito bem para as manobras policialescas do inquérito instaurado por Dias
Toffoli, presidente da corte. Tomando para si funções de autoridade policial ou
de agente do Ministério Público, o “relator” designado por Toffoli desce do
cume da Corte Suprema, por uma ladeira onde não passa o “devido processo
legal”.
Respeito
só se colhe, plantando respeito. Nada colhido no “submundo” do Direito merece
respeito. E uma distinção se impõe: grupo de julgamento formado por
apadrinhados políticos não é a mesma coisa que tribunal, composto por juízes.
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