sexta-feira, 25 de outubro de 2019


O SUPREMO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS
João Eichbaum

Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal trouxe à carga a questão dos efeitos da sentença criminal, sob os holofotes do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal: “ninguém será considerado culpado, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Esse texto, que mais figura faria numa antologia poética do que na realidade cotidiana de qualquer país habitado por animais humanos, tem sido tratado como dogma de uma instituição divina, nos últimos tempos. Note-se: a Constituição, na qual ele foi inscrito, é de 1988. Mas, só agora, passadas mais de três décadas, ele está sendo incensado como um mandamento promulgado por deuses. Por que? Será que, nesses trinta anos, ninguém foi tido como culpado e, por isso, preso, antes que transitasse em julgado a sentença? Só agora essa quimera constitucional vem mostrar sua importância?

Não adiante querer tapar o sol com a peneira, como fez o Toffoli, dizendo que a volta desse tema não mira os interesses de alguma pessoa em particular. O tamanho da realidade é muito maior do que as descabidas explicações do presidente do STF. Até os papagaios falantes sabem que essa realidade se chama Lula.

De pobres jogados na cadeia e lá esquecidos o Brasil está cheio. Mas um ex-presidente preso não só é um prato apetecível para que ministros do STF se esbaldem, criando teses e empastelando seus modorrentos discursos com vocabulário catado no dicionário, como é uma questão que envolve inegáveis interesses políticos. É assunto de que ninguém escapa. É tema para dissensões e atritos: milhões querem Lula na cadeia, outros milhões o querem fora do sistema carcerário.

Adormecida como uma princesa durante trinta anos e despertada por um ósculo pegajoso do Lula, a “inocência presumida” parece que andou sacudindo alguns sustentáculos do sistema. Atiçado por manchetes, o requentado tema teria criado um clima de erosão social.

Sentindo ameaças de “bullyng”, o septuagenário Celso de Mello lançou mão de seu gongórico discurso salpicado de adjetivos. “O país vive um momento extremamente delicado, pois de sua trajetória emergem, como espectros ameaçadores, surtos autoritários e manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade civil, agravados pelas atuações sinistras de delinquentes que vivem na atmosfera sombria do submundo digital” – disse ele.

“Surtos autoritários” têm vindo, isso sim, do Supremo Tribunal Federal. Desde que operou a reforma constitucional do §3º do artigo 226 da Constituição Federal, o STF vem se arvorando em poder dos poderes, legislando e se intrometendo na competência privativa do Poder Executivo. O epíteto de “atuações sinistras” serve muito bem para as manobras policialescas do inquérito instaurado por Dias Toffoli, presidente da corte. Tomando para si funções de autoridade policial ou de agente do Ministério Público, o “relator” designado por Toffoli desce do cume da Corte Suprema, por uma ladeira onde não passa o “devido processo legal”.

Respeito só se colhe, plantando respeito. Nada colhido no “submundo” do Direito merece respeito. E uma distinção se impõe: grupo de julgamento formado por apadrinhados políticos não é a mesma coisa que tribunal, composto por juízes.


Nenhum comentário: