CASA DE TOLERÂNCIA
João Eichbaum
Não é o que vocês estão
pensando. Por exemplo, lá não tinha moça de namoro de portão, dessas de só pegar
na pontinha dos dedos da mão, enquanto ninguém pudesse ver. Nem moças de olhar
espantado, jeito de donzela, recatadas, com medo de tudo, que deixam as aldravas
da honra aos cuidados da mãe. Não. A casa de Maria Apolônia, que tinha na
frente luzes vermelhas piscando e apresentando o nome de Balalaika, era casa de
portas abertas, de livres amores.
Mas desde que tudo fosse
feito dentro dos conformes da moral da casa. Primeiro, uma Brahma (né, bem!),
para molhar a palavra, desinibir os apetites e aproximar os pares. Claro que
alisamentos eram permitidos, desde que feitos nas partes por fora dos abotoados
da moça. Nesses procedimentos ninguém botava vista, porque faziam parte dos
prolegômenos, que hoje em dia são chamados de “preliminares”. O principal viria
depois da terceira ou quarta Brahma, que a moça pedia delicadamente.
Mas, antes do principal
ainda vinha a dança. O sanfoneiro apurava seu gosto, desatarraxava da gaita
aquele bolero sentimental e triste. Aí o casal deixava a Brahma na mesa e ia
para a pista rodar o corpo de rosto coladinho, mas com todo o respeito que a
Maria Apolônia, de olhos bem abertos, merecia. Era como se fosse baile de
debutante, de moça de família, de honra intacta, resguardada, até que a Santa
Madre Igreja desse licença para o cumprimento da “multiplicação” determinada
por Deus.
Era assim que funcionava:
tudo na linha, sob o olhar severo e abrangente de madre superiora da Maria
Apolônia. Então ali, no recinto público, o respeito imperava como nas
associações recreativas da mais alta sociedade. A tolerância tinha limites.
Embarafustados nos
quartos, sim, cada qual era dono de sua vida e a Maria Apolônia nada tinha a
ver com isso. Desde que lhe passassem os estipêndios correspondentes à taxa
sobre o amor, podiam fazer o que quisessem, sem dar escândalos públicos. Então
os desrespeitos só aconteciam debaixo das colchas, sem que ninguém visse. E sem
que ninguém também ouvisse, porque o sanfoneiro tratava disso, abrindo bem os
foles da gaita.
O mesmo respeito público,
o mesmo recato não se vê no regime democrático, onde alguns espertalhões se
aproveitam da República para tirar dinheiro do povo. Em nome da República, eles
se adubam com regalias e privilégios, haveres e poderes, à custa do povo. E não
bastam as verbas. Há também o fundo partidário, que lhes engorda os prazeres.
Na hora de mostrar serviço, eles extraem de si o pior que a tolerância da casa
lhes permite, como aconteceu essa semana: miam desaforos do mais baixo calibre,
se expedem pontapés em bagos e traseiros, e se engalfinham como galos de rinha.
Enfim, casa de tolerância
é aquela onde o povo paga a polícia para que ela não prenda os rufiões da
república que, de paletó e gravata, sem postura moral, andando e defecando para
o cargo que exercem, só abrem a boca para desovar a podridão de seu
insignificante vocabulário.
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