sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020


DEPOIS DO CARNAVAL
João Eichbaum
O carnaval, esse festival nacional de peitões e traseiros que, no mês de fevereiro, paralisa o país, representa uma das faces do “homo sapiens”, no seu estágio atual, no curso da cadeia evolutiva. Os esgares, o frenesi na estrapolação de sentimentos, a abusiva exibição de sensualidade, são as manifestações que mais o aproximam dos bonobos, os macacos que detêm 98, 7% do DNA da espécie humana.

Os requebros eróticos, as partes carnudas expostas, a arte encharcada de libido, mais não representam do que um grito de liberdade. É um júbilo incontido, porque o carnaval liberta o homem dos grilhões impostos pela ordem social. Nesses momentos, a criatura que assim se comporta, exibe sua natureza animal sem rodeios, sem censura, sem timidez, liberta de regras e mandamentos.

Fora desse caldeirão, onde a vida fervilha, dando de ombros para o restante das coisas que a esperam depois disso, há quem não consiga se desprender do seu dia a dia. Há os que se distanciam do carnaval, mas nem tanto. Vão para a serra, para o litoral, ou ficam em casa, curtindo o silêncio e a calma da cidade quase vazia. Mas poucos são os que deixam de dar uma espiadinha nas excentricidades, nas mulheres seminuas, no desmesurado reino de fantasias, porque o carnaval é pegajoso.

Há quem não consiga se desvencilhar da dor, da doença, da fome, do desespero, da ansiedade pelo que virá no dia de amanhã. A vida, para milhões de pessoas continuará a mesma, reprimida pelas necessidades, pelo dever de se subjugar, pela impotência para reagir, sem carnaval.

E no outro lado, no lado oposto ao das destemperanças da vida, das ilusões da alegria, dos reinados do faz de conta, do deslumbramento passageiro, há quem também procure uma outra forma de ilusão: a espiritualidade.

Uma mulher de cabeça raspada a navalha e de olhos com brilho de diamante, apresentada como monja do “Zen Budismo”, promove retiros durante o carnaval. Deve falar com maciez, para não destroncar a língua, e no fim do discurso dá corda no silêncio que, segundo dizem, leva as pessoas para o interior “de si mesmas”.

Assim, entre dois polos de extremadas concepções, vive o primata humano. Num ele se comporta como seus primos bonobos e cai na farra, extraindo da vida a essência do prazer. No outro, embriagado por teorias broxantes que o põem no sossego de suas partes moles, ele procura riquezas “dentro de si mesmo”, e não bota vista nas gostosas que passam na frente dele, abanando as platibandas traseiras.

Fervido nessa mistura de carnaval e religião, o homem vai seguindo o curso de sua evolução, que é contínua, e não o desprega da animalidade. Gerado pela inteligência, o avanço tecnológico suprime empregos, mas não inibe a multiplicação da espécie, gerada pelo impulso animal. E assim segue. Qualquer tentativa de conceito antropológico se esboroa no cotidiano da convivência animal, que não se arreda dessa a certeza: a mísera diferença de 1,3%, que nos separa dos bonobos, jamais será alterada pela filosofia.





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