DEPOIS DO CARNAVAL
João Eichbaum
O carnaval, esse festival
nacional de peitões e traseiros que, no mês de fevereiro, paralisa o país,
representa uma das faces do “homo sapiens”, no seu estágio atual, no curso da
cadeia evolutiva. Os esgares, o frenesi na estrapolação de sentimentos, a
abusiva exibição de sensualidade, são as manifestações que mais o aproximam dos
bonobos, os macacos que detêm 98, 7% do DNA da espécie humana.
Os requebros eróticos, as
partes carnudas expostas, a arte encharcada de libido, mais não representam do
que um grito de liberdade. É um júbilo incontido, porque o carnaval liberta o
homem dos grilhões impostos pela ordem social. Nesses momentos, a criatura que
assim se comporta, exibe sua natureza animal sem rodeios, sem censura, sem
timidez, liberta de regras e mandamentos.
Fora desse caldeirão,
onde a vida fervilha, dando de ombros para o restante das coisas que a esperam
depois disso, há quem não consiga se desprender do seu dia a dia. Há os que se
distanciam do carnaval, mas nem tanto. Vão para a serra, para o litoral, ou
ficam em casa, curtindo o silêncio e a calma da cidade quase vazia. Mas poucos
são os que deixam de dar uma espiadinha nas excentricidades, nas mulheres
seminuas, no desmesurado reino de fantasias, porque o carnaval é pegajoso.
Há quem não consiga se
desvencilhar da dor, da doença, da fome, do desespero, da ansiedade pelo que
virá no dia de amanhã. A vida, para milhões de pessoas continuará a mesma,
reprimida pelas necessidades, pelo dever de se subjugar, pela impotência para
reagir, sem carnaval.
E no outro lado, no lado
oposto ao das destemperanças da vida, das ilusões da alegria, dos reinados do
faz de conta, do deslumbramento passageiro, há quem também procure uma outra
forma de ilusão: a espiritualidade.
Uma mulher de cabeça
raspada a navalha e de olhos com brilho de diamante, apresentada como monja do
“Zen Budismo”, promove retiros durante o carnaval. Deve falar com maciez, para
não destroncar a língua, e no fim do discurso dá corda no silêncio que, segundo
dizem, leva as pessoas para o interior “de si mesmas”.
Assim, entre dois polos
de extremadas concepções, vive o primata humano. Num ele se comporta como seus
primos bonobos e cai na farra, extraindo da vida a essência do prazer. No
outro, embriagado por teorias broxantes que o põem no sossego de suas partes
moles, ele procura riquezas “dentro de si mesmo”, e não bota vista nas gostosas
que passam na frente dele, abanando as platibandas traseiras.
Fervido nessa mistura de
carnaval e religião, o homem vai seguindo o curso de sua evolução, que é
contínua, e não o desprega da animalidade. Gerado pela inteligência, o avanço
tecnológico suprime empregos, mas não inibe a multiplicação da espécie, gerada
pelo impulso animal. E assim segue. Qualquer tentativa de conceito
antropológico se esboroa no cotidiano da convivência animal, que não se arreda
dessa a certeza: a mísera diferença de 1,3%, que nos separa dos bonobos, jamais
será alterada pela filosofia.
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