sexta-feira, 20 de março de 2020


OS CASTIGOS DIVINOS
João Eichbaum

Primeiro foi o caso da maçã que, ao que parece, não estava nos planos de Deus, quando fez um boneco de barro, deu nele um assoprão, criando  o homem. Esse, chamado Adão, sozinho, não criou problema para Deus. Ficou lá pelo paraíso, sem fazer nada o dia inteiro, a não ser coçar o saco, que Deus tinha botado nele, sem finalidade nenhuma, até então, que não a de ser coçado.

Vendo aquele cara sem fazer nada, a não ser as já mencionadas coçadas de saco, o próprio Deus se sentiu entediado, mesmo porque ele próprio havia criado o céu, a lua, as estrelas, os rios, as florestas e tudo o mais, exatamente porque estava desde o começo da eternidade, que não tem começo, completamente desocupado. E aí criou tudo, e mais o mundo, para ter alguma coisa como passar a eternidade. É bom lembrar que, para Deus, não existe tempo: só eternidade.

Bem daí deu aquilo que se sabe, né: ele teve que criar a mulher, para não deixar o homem sozinho, sem fazer nada, coçando o saco. Tirou uma costela do cara e fez a mulher. A partir dali, o saco do homem já tinha motivo para funcionar e ele tinha como esvaziar o saco.

Mas então veio o caso da amizade da mulher com a serpente, a qual, numa tarde de fofocas, fez a cabeça da mulher. Disse para ela que, se comesse a maçã, ia ficar empoderada, isso é, teria poder igual a Deus. Não podia dar outra: a mulher comeu a maçã, seduziu o homem e deu no que deu: foram expulsos do paraíso.

Foi a primeira incomodação que Deus teve, mas foi fácil de resolver. Eram só os dois, ele os mandou embora, gritando “fuck you”, imprecação que, mais tarde, foi traduzida como “crescei e multiplicai-vos”.

Mas, Deus não contava que, com a multiplicação a coisa ia ficar muito pior. E aí ele teve teve que apelar para o dilúvio. Afogou a terra, e só não exterminou a humanidade, porque poupou Noé, sua família e mais um casal de cada animal, dos dinossauros aos bichinhos da goiaba.

Depois do dilúvio e com as transas dos filhos e noras de Noé, as coisas tomaram outro rumo. Mas não como Deus queria. Tanto que surgiram as cidades pecadoras Sodoma e Gomorra. E Deus teve que se desembaraçar delas. Torrou as duas no fogo e no enxofre.
Não adiantou. Então Deus criou Hitler, Stalin, Fidel Castro e outros para darem um jeito na humanidade, cada um a seu modo. Atiçou guerras, inventou a peste espanhola, a gripe, o cólera, mandou terremotos, tsunamis e furacões de menor calibre. Quase conseguiu. Mas ficou no “quase”. A humanidade continuou se esbaldando.

Agora, aparece o coronavirus. Borrado de medo do castigo divino, o povo correu para o papel higiênico, se arrependendo das puladas de cerca e de outras variações sobre o mesmo tema. Mas respirou aliviado com os noticiários da grande imprensa: “a culpa é só do Bolsonaro”.

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