SUZY, A GLOBO, O DOUTOR E O POVO
João Eichbaum
Aparelhado
de óculos pequenos, que lhe deixam os olhos enormes, Suzy tem uma estrovenga
entre as virilhas como qualquer macho, mas faz beicinho de dondoca, ou qualquer
outra coisa para parecer mulher. Deve andar com passinhos estudados, cuidando
para não largar ventosidades e abanando o traseiro estofado de silicone.
O doutor
Drauzio é um senhor de voz macia, dessas pessoas que convencem só pelo jeito de
ser. Mas ele, além disso, escreve. Gosta de romancear realidades estrepitosas,
e quem lê seus escritos sobre medicina cai no direito de achar que, nessa área,
o doutor sabe tudo, e mais do que ninguém. Sua especialidade é a generalidade.
A Globo
é uma empresa de comunicação, que fez nome e fortuna, apresentando dramalhões e
historinhas românticas para boi dormir, para
madames verterem lágrimas e varões cabecearem de sono na frente da
televisão, além de patrocinar macaquices em auditório e mulheres sensuais para
distrair crianças.
Povo é
povo. Povo é aquela massa informe, imprevisível, apaixonada, que, assim como
ama, odeia; assim como abraça, repele; é guiada por humores variados, serve
como rebanho de cordeiros para espertalhões, ou pode virar lobo voraz de uma
hora para a outra.
Pois,
num programinha apresentado pela Globo, apareceu o doutor Drauzio, que é tido
como estrela polar da medicina, e pinta na televisão mais como astro do que
como médico. Acostumada a arrancar lágrimas do povo por dá cá aquela palha, a
comunicadora se valeu da veia artística do doutor Drauzio para colocá-lo como
figura de proa de uma reportagem romanceada: a parte miserável da humanidade
trancafiada num presídio.
Não deu
outra. O doutor Drauzio cumpriu à risca o script que tinha decorado,
emprestando para o seu personagem uma figura terna, dobrada pela compaixão,
subjugada pelo amor ao próximo. A câmera tomou a direção do rosto acabrunhado
de um presidiário encolhido, onde avultava sua expressão de coitadinho, porque
não recebia visita há oito anos. Então aconteceu a cena de desencravar lágrimas
em madames e repuxões de peito nos barbados, derretidos pela pantomina: o
doutor Drauzio, botando amor ao próximo pelo ladrão, abraçando
carinhosamente Suzy.
Menos de
24 horas depois, rolavam pelas sarjetas as máscaras dos atores. Suzy não
passava de um abusador de criança. Ele se servira sexualmente de um menino de
nove anos de idade e, depois de matar o garoto, escondera o cadáver. E o doutor
Drauzio, contratado pela Globo para fazer o povo chorar, tinha abraçado e
chorado no ombro, não de um coitadinho, mas de um monstro.
Aí
então, se sentindo ultrajado em seus valores e usado como plateia para uma farsa
que engrandecia um vilipêndio, o povo reagiu. Não só a Globo, como o doutor
Drauzio, antes um ídolo, se transformaram em alvo de desdém e de uma fúria
coletiva.
A Globo
não resistiu à avalanche de indignação. Chamou o doutor Drauzio e ambos tiveram
que sorver o cálice amargo da humilhação, reconhecendo um erro. E Suzy, para o
povo, deixou de ser a mulher que queria ser...
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