quinta-feira, 14 de maio de 2020


GARIMPANDO CRIMES
João Eichbaum

No dia em que pediu demissão do Ministério da Justiça, Sérgio Moro debitou sua saída a divergências com Jair Bolsonaro. Depois de aludir a genérica “interferência política na polícia”, revelou que o presidentequeria ter uma pessoa da confiança pessoal dele”, para obter “informações, relatórios de inteligência”, e “tinha preocupação com inquéritos” no STF. Por isso achava oportuna uma troca na Polícia Federal. No pronunciamento, Moro desmentiu que a exoneração do delegado Valeixo, tinha sido a pedido.

Foi tudo quanto disse Sérgio Moro sobre o presidente da República. Mas, para pasmo de quem não é analfabeto funcional e tem conhecimentos primários de Direito Penal, o senhor Aras, Procurador Geral da República, requereu permissão para enquadrar, em inquérito policial, Bolsonaro e Moro por dez crimes, extraídos do pronunciamento do último.

A dimensão dos episódios narrados revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa...”, escreve Aras.

No texto acima há pequena mostra da obra da PGR, maltratando a construção verbal: “revela a declaração ...de atos que revelariam”.

Eis os crimes “em tese”, arrancados a fórceps “da dimensão dos episódios (valha-nos da tumba, Camões!) narrados”: “falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra”.

“Interferência política, escolha de pessoa de confiança para obter informações, relatórios de inteligência, preocupação com inquéritos” não são crimes. Nem a “falsidade ideológica” pescada na informação de que no Diário Oficial consta como sendo “a pedido” uma exoneração que ocorreu “ex officio”, e leva o nome de Sérgio Moro, que não assinou o ato. Esse crime se tipifica somente com a finalidade perseguida pela falsificação, circunstância que não deflui do pronunciamento de Moro.

A natureza do inquérito, cinzelada pelo artigo 4º do Código de Processo Penal, o leva à “apuração de infrações penais e de sua autoria”. O senhor Aras quer extrair “infrações penais” de palavras que não exprimem condutas delituosas. Quer inquérito para destrinchar suposições, intenções, maus pensamentos. Até crime que não existe no Código Penal, o senhor Aras botou na lista, para investigar Bolsonaro e Moro: “obstrução de justiça”.

Nessa hora má, com o coronavirus ceifando vidas e depenando a economia do país, a peça de Aras, por sua insignificância jurídica, merecia ser indeferida. Mas, não. Caiu no colo de um magistrado que, sem guardar distância de questões alheias a seu múnus, já tinha exarado juízo sobre a pessoa de Bolsonaro: “não está à altura do cargo”. Coincidentemente esse inquérito é o ovo donde pode sair, fazendo piu, piu, o impeachment do presidente.

Ao invés de gastar suas antigas pestanas sobre dezessete laudas, aturdido em dar o melhor de si para si mesmo, garimpando crimes desconhecidos da linguagem penal, Celso de Mello faria melhor, se dando por suspeito. Não pela lei, mas pela ética, pela dignidade, preservando a imagem do Judiciário.


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