GARIMPANDO CRIMES
João Eichbaum
No dia em que pediu demissão do
Ministério da Justiça, Sérgio Moro debitou sua saída a divergências com Jair
Bolsonaro. Depois de aludir a genérica “interferência política na polícia”,
revelou que o presidente “queria ter uma pessoa da
confiança pessoal dele”, para obter “informações, relatórios de inteligência”,
e “tinha preocupação com
inquéritos” no STF. Por isso achava oportuna uma troca na Polícia Federal. No
pronunciamento, Moro desmentiu que a exoneração do delegado Valeixo, tinha sido
a pedido.
Foi tudo quanto disse Sérgio Moro sobre o
presidente da República. Mas, para pasmo de quem não é analfabeto funcional e
tem conhecimentos primários de Direito Penal, o senhor Aras, Procurador Geral
da República, requereu permissão para enquadrar, em inquérito policial,
Bolsonaro e Moro por dez crimes, extraídos do pronunciamento do último.
“A dimensão dos episódios narrados
revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de
ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República, o que, de outra
sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa...”,
escreve Aras.
No texto acima há pequena mostra
da obra da PGR, maltratando a construção verbal: “revela a declaração ...de
atos que revelariam”.
Eis os crimes
“em tese”, arrancados a fórceps “da dimensão dos episódios (valha-nos da tumba,
Camões!) narrados”: “falsidade ideológica, coação no curso do processo,
advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva
privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra”.
“Interferência política, escolha de
pessoa de confiança para obter informações, relatórios de inteligência,
preocupação com inquéritos” não são crimes. Nem a “falsidade ideológica”
pescada na informação de que no Diário Oficial consta como sendo “a pedido” uma
exoneração que ocorreu “ex officio”, e leva o nome de Sérgio Moro, que não
assinou o ato. Esse crime se tipifica somente com a finalidade perseguida pela
falsificação, circunstância que não deflui do pronunciamento de Moro.
A natureza do inquérito, cinzelada pelo
artigo 4º do Código de Processo Penal, o leva à “apuração de infrações penais e
de sua autoria”. O senhor Aras quer extrair “infrações penais” de palavras que
não exprimem condutas delituosas. Quer inquérito para destrinchar suposições,
intenções, maus pensamentos. Até crime que não existe no Código Penal, o senhor
Aras botou na lista, para investigar Bolsonaro e Moro: “obstrução de justiça”.
Nessa hora má, com o coronavirus ceifando
vidas e depenando a economia do país, a peça de Aras, por sua insignificância
jurídica, merecia ser indeferida. Mas, não. Caiu no colo de um magistrado que, sem
guardar distância de questões alheias a seu múnus, já tinha exarado juízo sobre
a pessoa de Bolsonaro: “não está à altura do cargo”. Coincidentemente esse
inquérito é o ovo donde pode sair, fazendo piu, piu, o impeachment do
presidente.
Ao invés de gastar suas antigas pestanas
sobre dezessete laudas, aturdido em dar o melhor de si para si mesmo,
garimpando crimes desconhecidos da linguagem penal, Celso de Mello faria
melhor, se dando por suspeito. Não pela lei, mas pela ética, pela dignidade,
preservando a imagem do Judiciário.
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