COMO
NA VARA DE FAMÍLIA
João
Eichbaum
Com
a aquele jeitinho e a voz mansa de monge trapista, Sérgio Moro conseguiu parar
o Brasil na sexta-feira passada. O coronavirus sumiu das manchetes. O
noticiário do horror, contando mortos, silenciou. Por algumas horas, foi como
se o vírus tivesse sumido, através de um passe de mágica.
O
homem que vinha deslumbrando o Brasil, antes do anúncio da candidatura de Jair
Bolsonaro, o homem que era considerado uma espécie de herói nacional, por ter
transformado em processos judiciais as investigações da chamada Lava-Jato,
condenando Lula da Silva à prisão, estava pulando fora do barco do Bolsonaro...
Em
razão de seu prestígio popular, o então juiz de direito federal Sérgio Moro,
foi cotado para compor o governo de Jair Bolsonaro como Ministro da Justiça.
Para estupefação de muitas pessoas, especialmente magistrados, Moro jogou fora
sua carreira de vinte e três anos. Ele se exonerou da magistratura, quer dizer,
ficou sem emprego, para se aventurar na política.
Por
sua atuação como juiz na operação Lava-Jato, o magistrado se tornara figura
pública conhecida internacionalmente. Adquirira fama e respeito. Era tido e
havido como expressão de conduta ilibada, equilíbrio e sabedoria jurídica.
Apesar dessa solidez pessoal, deixou o certo pelo duvidoso.
A
arte de chegar ao poder à custa de qualquer coisa, não é para neófitos. É
preciso muito jogo de cintura, é preciso engolir sapo para vomitar caranguejo,
é preciso conhecer o truque de usar os ombros dos outros para chegar ao cume. É
preciso abandonar princípios muitas vezes, renunciar a propósitos saudáveis,
abrir mão do convívio com a família ou do próprio conforto pessoal. Por tudo
isso, um velho ditado gaúcho alerta com sabedoria: ovelha não é pra mato.
O
exercício da magistratura é cheio de regras. O meio político, ao contrário, não
tem regras fixas. O que vale é aquilo que convém no momento. O que hoje tem
valor, amanhã pode deixar de ter. A mais alta rotatividade de sentimentos,
ideias, princípios e comportamentos é só na política que se conhece. Prova
disso é a Constituição Federal, que não passa de uma colcha de retalhos: volta
e meia é emendada, por meio de acordos, “articulações”, etc. Será que Sérgio
Moro desconhecia a oração franciscana da suruba política “é dando que se
recebe”?
O
vínculo entre ele e Bolsonaro terminou como uma relação amorosa qualquer. Morta
a paixão, surge a guerra dos ressentimentos: onde é que eu estava com a cabeça,
quando fui me juntar a essa peste? Então, quebrados os pratos, eles soltaram a
língua na frente da torcida. Segundo Moro, Bolsonaro é metido a mandão, mete o
bedelho em tudo. E Bolsonaro o tem por vaidoso, que só se preocupa consigo
mesmo, ao invés de pensar na pátria. Tão vaidoso que o esnobou, na primeira vez
que se viram...
A
economia ameaçada pela inanição, o desemprego arrastando a miséria para dentro
das famílias, o coronavirus ceifando vidas incessantemente, e dois egos em
liça, como se estivessem na Vara de Família, “por incompatibilidade de
gênios”...
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