sexta-feira, 8 de maio de 2020


O ARTIGO 37
João Eichbaum

No uso e gozo da palavra, dirigindo-se ao distinto público Jair Bolsonaro primeiro pintou Sérgio Moro como sujeito vaidoso. Depois, desandou em explicações dos porquês que apearam o cansado delegado Valeixo da chefia da Polícia Federal. Na poeira dessas explicações, deu com a língua nos dentes, falando coisas que não devia. Disse que à polícia federal importava mais o assassinato da vereadora Mariele, do que a pessoa dele, quase assassinado em Minas Gerais. Antes, dando entrevista, Sérgio Moro espalhara que o presidente queria meter o bedelho na Polícia Federal.

Pelo fio dessas conversas começou a soar o artigo 37 da Constituição Federal, como guizo de serpente, nos ouvidos dos doutores.

O artigo 37 sinaliza a defesa do país contra a promiscuidade facilitada pelo poder, exortando governantes e demais autoridades à lembrança de que o Estado não está a serviço deles, mas eles estão a serviço do Estado. É aquele aviso aos navegantes no poder: “não vim para ser servido, mas para servir”. Só que não é bem assim. O jeitinho, no Brasil, é sempre melhor do que a lei, e por isso chegamos ao ponto a que chegamos. É por isso que o país está atolado nessa matéria que passa pelos intestinos e sai no detrás, nas partes velhacas dos políticos.

Tão bonito, tão nobre, tão bem intencionado o artigo 37, mas tão desprezado, enxovalhado por burros e mal intencionados! No próprio STF se come lagostas, se toma champanhe, vinho estrangeiro, cachaça, se estala a língua com acepipes que o povo nem conhece, e tudo vai na conta do contribuinte. Mas, falar no art. 37 para o Tribunal de Contas é o mesmo que tocar violino em casa de surdo: a promiscuidade desses proveitos pessoais com os cargos e funções dos ministros é ignorada.

Bolsonaro achava que a polícia federal, sendo sua subordinada, devia descobrir primeiro quem mandou matá-lo; depois, tratar do caso da Mariele. Mas justamente seu cargo o impede de usar o Estado para exigir o primeiro lugar da fila.

O 37, cheio de vírgulas e substantivos, veda, “a qualquer dos Poderes”, o uso das instituições em proveito próprio. Mas não proíbe a nomeação de amigos para cargos de confiança. Não aludindo a seu caso, Bolsonaro estaria a salvo de imbecilidades judiciais, nomeando quem quisesse para chefia da PF, sem botar minhoca na cabeça dos ministros do STF. A chefia da PF é cargo de confiança. E ninguém vai procurar inimigo para lhe dar cargo de confiança.

Para impedir a posse de Alexandre Ramagem, amigo de Bolsonaro, na chefia da PF, adversários do presidente juntaram suas conversas, pegaram debaixo dos tapetes judiciários o pó do art. 37, e impetraram inepto mandado de segurança. Aí Alexandre Moraes mergulhou seus saberes na entrevista de Sérgio Moro e lá pescou uma liminar nua, descalça, claudicante, se escorando em suposições.

Sufocada no pó dessa pobreza jurídica de mandado de segurança sem direito líquido e certo, a Justiça só será reconhecida como tesoura de jardim, usada para desfolhar ramagens...

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