O
ARTIGO 37
João
Eichbaum
No
uso e gozo da palavra, dirigindo-se ao distinto público Jair Bolsonaro primeiro
pintou Sérgio Moro como sujeito vaidoso. Depois, desandou em explicações dos
porquês que apearam o cansado delegado Valeixo da chefia da Polícia Federal. Na
poeira dessas explicações, deu com a língua nos dentes, falando coisas que não
devia. Disse que à polícia federal importava mais o assassinato da vereadora
Mariele, do que a pessoa dele, quase assassinado em Minas Gerais. Antes, dando
entrevista, Sérgio Moro espalhara que o presidente queria meter o bedelho na
Polícia Federal.
Pelo
fio dessas conversas começou a soar o artigo 37 da Constituição Federal, como
guizo de serpente, nos ouvidos dos doutores.
O
artigo 37 sinaliza a defesa do país contra a promiscuidade facilitada pelo
poder, exortando governantes e demais autoridades à lembrança de que o Estado
não está a serviço deles, mas eles estão a serviço do Estado. É aquele aviso
aos navegantes no poder: “não vim para ser servido, mas para servir”. Só que
não é bem assim. O jeitinho, no Brasil, é sempre melhor do que a lei, e por
isso chegamos ao ponto a que chegamos. É por isso que o país está atolado nessa
matéria que passa pelos intestinos e sai no detrás, nas partes velhacas dos
políticos.
Tão
bonito, tão nobre, tão bem intencionado o artigo 37, mas tão desprezado,
enxovalhado por burros e mal intencionados! No próprio STF se come lagostas, se
toma champanhe, vinho estrangeiro, cachaça, se estala a língua com acepipes que
o povo nem conhece, e tudo vai na conta do contribuinte. Mas, falar no art. 37
para o Tribunal de Contas é o mesmo que tocar violino em casa de surdo: a
promiscuidade desses proveitos pessoais com os cargos e funções dos ministros é
ignorada.
Bolsonaro
achava que a polícia federal, sendo sua subordinada, devia descobrir primeiro
quem mandou matá-lo; depois, tratar do caso da Mariele. Mas justamente seu
cargo o impede de usar o Estado para exigir o primeiro lugar da fila.
O
37, cheio de vírgulas e substantivos, veda, “a qualquer dos Poderes”, o uso das
instituições em proveito próprio. Mas não proíbe a nomeação de amigos para
cargos de confiança. Não aludindo a seu caso, Bolsonaro estaria a salvo de
imbecilidades judiciais, nomeando quem quisesse para chefia da PF, sem botar
minhoca na cabeça dos ministros do STF. A chefia da PF é cargo de confiança. E
ninguém vai procurar inimigo para lhe dar cargo de confiança.
Para
impedir a posse de Alexandre Ramagem, amigo de Bolsonaro, na chefia da PF,
adversários do presidente juntaram suas conversas, pegaram debaixo dos tapetes
judiciários o pó do art. 37, e impetraram inepto mandado de segurança. Aí
Alexandre Moraes mergulhou seus saberes na entrevista de Sérgio Moro e lá
pescou uma liminar nua, descalça, claudicante, se escorando em suposições.
Sufocada
no pó dessa pobreza jurídica de mandado de segurança sem direito líquido e
certo, a Justiça só será reconhecida como tesoura de jardim, usada para
desfolhar ramagens...
Nenhum comentário:
Postar um comentário