sexta-feira, 11 de setembro de 2020

 

A CONSTITUIÇÃO

 

Não passa de um puxadinho jurídico, mais cheio de direitos do que de deveres, a Constituição de mil novecentos e oitenta e oito, comandada pelo senhor Ulysses Guimarães, que foi comido pelos peixes, e Nelson Jobim que, de advogado em Santa Maria passou a ser banqueiro, e na qual teve participação também o Lula, que já foi metido em xilindró de rico, para fazer de conta que estava preso.

 

Mas, há quem a trate como “carta magna”, escrínio de “avanços e conquistas”. Há quem se fez doutor, extraindo dela devaneios jurídicos divorciados do sentido de justiça. A dona Carmen Lúcia, por exemplo, ministra do Supremo Tribunal Federal, investiu suas sortidas prendas no título de “constitucionalista”. O Gilmar Mendes, que enche a voz com sibilos de desdém e assume o jeito infeliz de quem ressuscita antigos rancores, quando invectiva ideias, atitudes ou pensamentos dissonantes dos seus, consegue construir trompas de falópio na “Carta Magna”, para que ela possa parir novos seres jurídicos.

 

Lá, onde a conspicuidade é uma estranha senhora, se invoca a Constituição como uma bíblia de fundamentos jurídicos, ou como uma vestal intocável do Direito, uma virgem blindada, de cuja virgindade se têm como guardiães os ministros. Esses podem fazer dela o que lhes dá no bestunto.

 

Mas, nenhum jurista teve conhecimentos sólidos, suficientes para apontar nela, até hoje, as barbaridades que a conspurcam, e vão de erros de vernáculo a direitos que, no confronto, se anulam.

 

Neste Brasil, habitado por uma maioria de analfabetos funcionais, poucos são os que enxergam na Constituição um depósito de traumas e frustrações dos valentões que, para não ter de pôr à prova sua masculinidade, se escafederam do país.

 

O que aconteceu no final da semana passada mostra que, sendo um penduricalho de direitos, essa coisa chamada Constituição, mais serve para confundir do que para prestar segurança jurídica.

 

Uma juíza do Rio de Janeiro impediu a divulgação de dados pessoais de Flávio Bolsonaro, que poderiam “ferir a imagem” dele. Diante disso, a TV Globo, a Associação Brasileira de Imprensa, a Associação Nacional de Jornais, e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo clamaram aos céus contra a censura imposta pela decisão da magistrada carioca.

 

Olhem o que diz a Constituição do Ulysses, do Jobim e do Lula, no art. 5º, inc. X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas...” Contas e movimentações bancárias, declarações de imposto de renda, etc. são dados relativos à vida privada das pessoas. Comparem com o estabelecido no IX do mesmo artigo 5º: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

 

São proposições antagônicas. Mas a TV Globo invoca seu direito, pescando na Constituição do Ulysses a parte que não arde no dela. Será que nenhum diretor de veículo de comunicação pediria socorro na Justiça, para impedir que fosse estampada, nas páginas de algum concorrente, foto “artística” (art. 5º, IX) de sua mulher, fazendo ginástica na cama com o respectivo personal trainer?

 

 

 

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