sexta-feira, 18 de setembro de 2020

 

O SONHO

Com as bochechas róseas debaixo da cabeleira sedosa ajeitada para a festa da posse, Luiz Fux expediu um sorriso, que foi levado pelas câmeras à humanidade apagada no anonimato. E confessou, ensopado de glória: seu sonho, desde trinta anos atrás, era ser ministro do Supremo Tribunal Federal.

Para quem não sabe, ou nunca ouviu falar, é bom explicar como se chega a ministro do Supremo. Assim: ninguém é procurado em casa, e indagado “oi, cara, você quer ser ministro do Supremo? A gente lembrou de você, por causa dessa belezura toda, por causa dessa simpatia cativante e desse seu jeito escancarado de gente finíssima, de quem não se mete na bandalheira da política. Sem falar no imenso saber jurídico que lhe vaza pelos olhos”.

Não. Nada disso. Não é assim que funciona. O candidato tem que correr atrás. A primeira coisa que o sujeito precisa é se dobrar, se abaixar, fazendo aquilo que a sabedoria das vovós desaconselhava: não se abaixar, porque quanto mais a gente se abaixa – diziam elas – mais a platibanda traseira aparece, mostrando os fundilhos.

Então, esse é o começo: se enrolar no braço de um poderoso, que saia anunciando o candidato como seu afilhado. Porque sem padrinho, ó, nada feito. Não existe ministro do Supremo sem padrinho. Mas isso é apenas o começo. Depois tem que fazer a via sacra. Devidamente emplacado pelo padrinho, o cara precisa se abaixar, sabem pra quem? Para os políticos, gente, logo pra quem, para os políticos, batendo de porta em porta no gabinete dos senadores e rebolando pelos corredores, conforme o andamento da música.

Com o Fux não foi diferente. Ele andou de Herodes a Pilatos pedindo graças, bênçãos e favores, puxando orações no catecismo do poder. Andou atrás de gente do Lula, tomou chá de banco, gastando os fundilhos, esperando pelo futuro padrinho, como um coitadinho qualquer da vida, desamparado de Deus e dos homens. Ele conhecia o caminho, porque já havia passado por essas mesmas maldades do destino, a fim de vestir a toga de ministro do Superior Tribunal de Justiça, pelas mãos do Fernando Henrique Cardoso.

Corre por aí uma frase que lhe pulou da boca, quando indagado foi pelo então ministro da Justiça da Dilma, o José Eduardo Cardozo: o que faria no processo do mensalão. “Mato no peito”, teria dito o Fux. A lenda só não revela se, com esse dizer, Cardozo encharcou a cara de lágrimas e correu para o abraço, fazendo estalar os ossos dos peitos de um e de outro, com um juramento de amor eterno. O certo é que o nome do Fux foi parar nos ouvidos da Dilma, que lhe deu a partida para a glória.

No dia da posse como presidente do STF, em plena pandemia, durante o espetáculo das pompas e discursos que repetem a lengalenga de sempre, Fux andava mais faceiro do que pinto no farelo. O destino realizara seu sonho: aquele pomposo cargo público, sustentado pelos contribuintes, que mais exige padrinhos do que talento.

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