DECISÃO
NAS COLCHAS
Augusto Aras foi ao STF, tão logo Bolsonaro e Sérgio Moro quebraram os pratos. Pediu a abertura de inquérito, com base em entrevista concedida por Sérgio Moro. Para isso gastou várias laudas, nas quais não pode esconder a intenção de extrair “infrações penais” de palavras que não exprimem condutas delituosas. Pediu inquérito para destrinchar suposições, intenções, maus pensamentos. Até crime que não existe no Código Penal, o senhor Aras botou na lista, para investigar Bolsonaro e Moro: “obstrução de justiça”.
O pedido de abertura de inquérito caiu no colo togado do ministro Celso de Mello, que saiu deferindo tudo o que lhe foi requerido. Entregou a tarefa de investigação à polícia, esquecido de que há um respeito à hierarquia, que a Constituição Federal preserva.
O artigo 102 da Constituição confere competência ao Supremo Tribunal Federal, para processar e julgar, originariamente, “nas infrações penais comuns, o Presidente da República, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o Procurador Geral da República”. A importância desses cargos, na hierarquia da República, é responsável por tal prerrogativa.
Antes de mais nada, deveria Celso de Mello dar uma olhadinha na Constituição, para extrair dela o recado do respeito pela hierarquia. A partir daí, ele teria encontrado, no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o suporte legal que patrocina esse respeito. Estabelece o artigo 21a: “Compete ao relator convocar juízes ou desembargadores para a realização do interrogatório e de outros atos da instrução dos inquéritos criminais e ações penais originárias, na sede do tribunal ou no local onde se deva produzir o ato, bem como definir os limites de sua atuação”.
Mas, não. Entregou o caso à polícia, a quem ele passou a dar orientações: façam isso, façam aquilo. Só que a polícia tem noção de seus limites e, na hora de interrogar Bolsonaro, veio a furo o problema. Bolsonaro queria depor por escrito. Então a polícia teve que consultar o Celso de Mello: pode o investigado depor por escrito?
Como é de seu hábito, por não ter sido contemplado pela natureza com o dom da síntese, Celso de Mello gastou várias laudas para dizer que não, que Bolsonaro não podia depor por escrito: tinha de ser cara a cara com a polícia. E o pior é que fez isso durante período de licença saúde.
O ministro está licenciado, não participa das “sessões virtuais”, porque a doença o impede. Sua ausência foi substituída pelo parágrafo único do art. 146 do Regimento Interno do STF, absolvendo um réu de colarinho branco, que teve sentença anulada. Aquela disposição regimental, própria dessa pátria dos coitadinhos, determina que o impetrante de habeas corpus seja beneficiado em caso de empate de votos.
Mas, nesses devaneios legais, prevalece a vontade
do ministro sobre a objetividade do sistema. Acuado pela pressa em despachar os
processos que envolvem o presidente Jair Bolsonaro, Celso de Mello foi procurar
na Lei Orgânica da Magistratura um dispositivo que o autoriza a fazer seus
julgamentos no remanso do lar, entre colchas e lençóis.
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