O CIRCO FORENSE
O povo viu o espetáculo de graça, bem acomodado nas poltronas de
casa, sem castigar com a dureza de tábuas de arquibancada as carnes que
circundam o fiofó. Só faltou palhaço vendendo pipoca e maçã do amor, como é do
feitio nos espetáculos de circo mambembe.
A peça apresentada no espetáculo era uma dessas bestialidades bem
ao gosto da espécie símia que, perdendo o pelo e o rabo, passou a se chamar
homem, mas não deixou de ser bicho concupiscente: o uso dos instrumentos de
reprodução, com fins outros que não o de contribuir especificamente para a
densidade demográfica.
Isso: a peça levada no circo forense tratava de assuntos de
alcova. Sob o alegado motivo de ter sua rachadinha contrariada pelas abusadas partes
de um senhor de negócios, uma respeitável senhorita botou causa na justiça.
Constava da petição: que era moça de bons costumes e donzela ainda lacrada pela
natureza; que não lhe cabia nos modos deixar à vista de estranhos, nos
escondidos de quartos, suas curvas e reentrâncias; que mais se considerava
menina de namoro de portão, do que rapariga de se meter entre lençóis, desembrulhada
dos tecidos debaixo, para fins libidinosos... E por aí foi, até desembocar no
ponto final de que fora abusada sem consciência, por ingestão forçada de álcool
e drogas, no redemoinho social de uma festa.
Questão de tal ordem requer prudência e recato. Por esse motivo,
manda a lei que a causa seja tratada “em segredo de justiça”, para não
disseminar escândalos entre as boas famílias. Só que não. Em tempos de pandemia
cada litigante fica em casa e só mostra a cara no computador. Indagada pelo
meritíssimo se estava sozinha, a moça respondeu que estava no escritório do “advogado”
de sua família. Da pergunta se lhe tinha passado procuração brotou resposta negativa.
O juiz fez advertências sobre aquela indevida presença. A ofendida
rebateu, batendo boca com o juiz. Seguiu-se o espetáculo forense, que despencou
para cenas de choro e baixaria. Do vocabulário do advogado de defesa desabrochou
o que de pior existe para magoar madames e donzelas. E, no final do discurso
encharcado de ofensas, estendeu seu constituinte num berço de inocência. Tudo
isso fazendo coro à ponderação do Promotor de Justiça de que o acusado tirara
proveito dos desabotoados da moça sem a intenção de praticar estupro.
Uma empresa que opera no atacado de escândalos e fofocas selecionou
cenas, mostrando a moça como vítima do Judiciário. E, para apimentar a
descrença na Justiça, divulgou a jurisprudência do “estupro culposo”, como se
fosse coisa saída da boca do Promotor.
A indignação da tropa de choque feminina levou o povo a acreditar
no “estupro culposo” e ir às ruas, esbravejando contra a Justiça. A revolta ecoou
no parlamento, na OAB, no CNJ, no CNMP, na mídia e, naturalmente, na boca do
Gilmar Mendes. Mas, sobre a violação do segredo de justiça ninguém tugiu, nem
mugiu. Não sobrou indignação para perguntar o que fazia o “advogado” da família
da moça nos bastidores...
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