quinta-feira, 12 de novembro de 2020

 

O CIRCO FORENSE

O povo viu o espetáculo de graça, bem acomodado nas poltronas de casa, sem castigar com a dureza de tábuas de arquibancada as carnes que circundam o fiofó. Só faltou palhaço vendendo pipoca e maçã do amor, como é do feitio nos espetáculos de circo mambembe.

A peça apresentada no espetáculo era uma dessas bestialidades bem ao gosto da espécie símia que, perdendo o pelo e o rabo, passou a se chamar homem, mas não deixou de ser bicho concupiscente: o uso dos instrumentos de reprodução, com fins outros que não o de contribuir especificamente para a densidade demográfica.

Isso: a peça levada no circo forense tratava de assuntos de alcova. Sob o alegado motivo de ter sua rachadinha contrariada pelas abusadas partes de um senhor de negócios, uma respeitável senhorita botou causa na justiça. Constava da petição: que era moça de bons costumes e donzela ainda lacrada pela natureza; que não lhe cabia nos modos deixar à vista de estranhos, nos escondidos de quartos, suas curvas e reentrâncias; que mais se considerava menina de namoro de portão, do que rapariga de se meter entre lençóis, desembrulhada dos tecidos debaixo, para fins libidinosos... E por aí foi, até desembocar no ponto final de que fora abusada sem consciência, por ingestão forçada de álcool e drogas, no redemoinho social de uma festa.

Questão de tal ordem requer prudência e recato. Por esse motivo, manda a lei que a causa seja tratada “em segredo de justiça”, para não disseminar escândalos entre as boas famílias. Só que não. Em tempos de pandemia cada litigante fica em casa e só mostra a cara no computador. Indagada pelo meritíssimo se estava sozinha, a moça respondeu que estava no escritório do “advogado” de sua família. Da pergunta se lhe tinha passado procuração brotou resposta negativa.

O juiz fez advertências sobre aquela indevida presença. A ofendida rebateu, batendo boca com o juiz. Seguiu-se o espetáculo forense, que despencou para cenas de choro e baixaria. Do vocabulário do advogado de defesa desabrochou o que de pior existe para magoar madames e donzelas. E, no final do discurso encharcado de ofensas, estendeu seu constituinte num berço de inocência. Tudo isso fazendo coro à ponderação do Promotor de Justiça de que o acusado tirara proveito dos desabotoados da moça sem a intenção de praticar estupro.

Uma empresa que opera no atacado de escândalos e fofocas selecionou cenas, mostrando a moça como vítima do Judiciário. E, para apimentar a descrença na Justiça, divulgou a jurisprudência do “estupro culposo”, como se fosse coisa saída da boca do Promotor.

A indignação da tropa de choque feminina levou o povo a acreditar no “estupro culposo” e ir às ruas, esbravejando contra a Justiça. A revolta ecoou no parlamento, na OAB, no CNJ, no CNMP, na mídia e, naturalmente, na boca do Gilmar Mendes. Mas, sobre a violação do segredo de justiça ninguém tugiu, nem mugiu. Não sobrou indignação para perguntar o que fazia o “advogado” da família da moça nos bastidores...

 

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