A EMBRIAGUEZ DO PODER PROVOCA INDIGESTÃO
Eram quatro indivíduos: dois condenados, protegidos
pela presunção da inocência, um foragido, e um sem condenação, mas respondendo
a processos por receptação, homicídio, porte ilegal de arma e roubo. Estavam a bordo
de um automóvel furtado e clonado, no qual levavam uma submetralhadora, três
pistolas 9mmm, carregadores de armas, munição calibre 9mmm, e coletes
balísticos. Como não tinham aparência de anjinhos que acompanham andores de
procissão, foram presos em flagrante. E, por reforço, a polícia pediu a prisão
preventiva deles: vá que, na audiência de custódia, seus belos olhos servissem
de argumento para relaxamento do flagrante...
Então
aconteceu o seguinte: uma juíza deixou no xilindró três deles e liberou o
quarto, circunavegando em sinuosa redação: “exceção se faça a Carlos Irajá,
que, mesmo envolvido nesta prática delitiva - que envolve a apreensão de
diversas armas de fogo (inclusive uma submetralhadora) e munição, coletes
balísticos e outros apetrechos vinculados à prática delitiva organizada, detém,
em seu benefício, a primariedade. Assim, tenho que ainda possível lhe seja
concedida liberdade provisória cumulada com cautelares alternativas".
A cantilena do “bandido coitadinho”
desafinou ao som dos “apetrechos vinculados à prática delitiva organizada”.
Vista como desestímulo ao trabalho policial, a decisão judicial suscitou
indignação nos órgãos de segurança.
Então o Judiciário veio dar satisfação pública. Afinal, a
sociedade desassistida, refém do Direito aplicado pelo avesso, é quem banca
subsídios e outros penduricalhos dos juízes.
"A decisão está bem fundamentada e adotou critérios jurídicos
para a conclusão encontrada. Haverá concordâncias e discordâncias, naturais do
processo jurídico-democrático, o que se dirime pela legítima via recursal,
própria do sistema processual" - proclama, em socorro da juíza, o Conselho
de Comunicação do TJ-RS, através do senhor Antonio Vinicius Amaro da Silveira.
Melhor seria que o Tribunal tivesse calado: a emenda arruinou
ainda mais o soneto. O Conselho de Comunicação do TJ-RS não tem competência
para analisar as decisões dos juízes. Não lhe cabe dizer se a sentença está bem
ou mal fundamentada. Essa função é da alçada dos órgãos jurisdicionais. E mais:
a decisão não está bem fundamentada, coisa nenhuma, porque escancara áspera
contradição. Para ser bem fundamentado, o juízo de valor deve se estribar em
premissas das quais a conclusão escorra naturalmente. Ora, os antecedentes do
preso, a natureza do delito e os “apetrechos vinculados à pratica delitiva
organizada”, são premissas que não levam a concluir senão pela conduta de
agente virtualmente perigoso. Mas, a juíza “encontrou” outra conclusão: a
“primariedade”.
O artigo 312 do Código de Processo Penal serve os juízes a cujo
ego só o poder compraz. A lei lhes concede arbítrio para decidirem sobre a
prisão preventiva, ainda que todas as circunstâncias salientem a inconveniência
de manter o acusado em liberdade. Então,
para não passar atestado de pobreza em silogismo, basta que o magistrado
invoque esse dispositivo legal. Não precisa gastar seu vocabulário em dialética
indigente. E saiba o Conselho de Comunicação do Tribunal de Justiça,
desinformado na arte de tergiversar, que a força da lei dispensa outros
“critérios jurídicos”.
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