SABES
LER ? (II)
Deu na
“Coluna do Estadão”: “o ministro aposentado Celso de Mello doou a biblioteca com 12 mil livros
de seu antigo gabinete a um amigo de infância de Tatuí (SP), sua terra natal,
mas fez questão de guardar consigo a toga usada nas sessões do STF”.
Sobre
os livros o ex-decano não deu explicações. Mas, sobre a toga, falou assim para
o jornal: “é a
mesma velha toga que usei até o fim e que me protegeu, em favor da comunidade,
como indevassável escudo assegurador de minha independência funcional e de
minha liberdade decisória nos julgamentos de que participei ao longo dos 31
anos em que integrei o STF”.
Fazendo as
contas, chega-se à seguinte conclusão: se o senhor Celso de Mello lesse um dos
livros de sua biblioteca por mês, em dez anos teria lido 120 livros e, em cem
anos, 1.200. Se tivesse lido um livro a cada semana, leria 520 livros em dez
anos e 5.200, em cem anos. Então, jamais leria os doze mil livros em toda sua
vida. Por isso os doou: os livros só serviam de enfeite em sua biblioteca, e de
motivo para exibir uma erudição de vitrine.
Sim, porque,
da explicação que ele deu sobre a toga, se extrai a desconcertante revelação de
que não foram muito úteis suas leituras. Talvez só tenha lido maus autores, que
nunca lhe ensinaram a economizar adjetivos, para só usá-los adequadamente, com
a finalidade de dar o necessário realce à qualidade do substantivo.
Ora, vejam:
“a mesma velha toga”... “Mesmo” é um pronome demonstrativo, cuja função
consiste em substituir algum termo empregado na oração anterior. Ao lado de
“velha toga”, tal pronome demonstrativo não tem função gramatical alguma:
torna-se um vocábulo ínútil, imprestável, só serve para soar mal nos ouvidos de
quem domina o vernáculo. É um modo de falar próprio de quem tem dificuldades
com a gramática...
“Indevassável
escudo assegurador”... Nossa! Dois adjetivos para um substantivo, um
ajuntamento de vocábulos que só presta como sopa de letrinhas. Um escudo é um
escudo, e pronto. É o tipo de substantivo que se expressa por si próprio, sem
necessidade de adjetivos. Em linguagem correta, só lhe cabem qualificações
materiais: grande, pequeno, etc.
Além de
colocar em destaque a hipertrofia do próprio ego, a expressão “me protegeu, em favor
da comunidade, como indevassável escudo assegurador de minha independência
funcional e de minha liberdade”, trai a pobreza do ex-ministro na criação de
metáforas, apesar de ser ele possuidor de milionária biblioteca.
Toga nunca
foi escudo. Muito menos, indevassável, pois ela não serve como proteção, nada
garante, não consegue esconder vícios e erros. A toga não passa de símbolo, um
símbolo que tenta emprestar respeito à Justiça. E quem a veste está preso ao
dever de praticar essa justiça, dando a cada um o que é seu. Portanto, o
verdadeiro juiz, o juiz cioso desse dever, não pode alardear que tem liberdade.
Sua liberdade está limitada às alternativas que lhe proporcionam o caminho para
a Justiça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário