A TRANSFIGURAÇÃO DOS ONZE
Nunca, em sua história, a seleção brasileira de
futebol conseguiu reunir onze Pelés, apesar de existirem milhões de brasileiros
que têm intimidade com a bola e com ela mostrem habilidade de malabaristas.
E vocês acham que, alguma vez na vida, fez parte dos
onze do STF, um único Pelé do Direito, apesar de existirem milhões de
advogados, nessa terra de bacharéis?
Não, senhores. Gênio não dá em touceira. Criaturas
dotadas de excelência em conhecimentos ou habilidades são raras. E a
genialidade de Pelé – para ficar só no futebol – é uma prova disso.
Transportando tais considerações para a composição do Supremo Tribunal Federal,
a coisa fica pior ainda.
Para ser ministro, o que menos conta é a sabedoria.
Notório saber jurídico e conduta ilibada não passam de vocábulos impressos na
Constituição Federal. Dado fundamental que impera, na indicação de alguém para
integrar o Supremo, é o apadrinhamento político. Depois, a “via crucis”. O
candidato vai de gabinete em gabinete dos senadores, para pedir ajuda. Até se
ajoelhar, se ajoelha, se preciso for. Mas, também valem festas de arromba, em
iates.
A chamada “sabatina” perante o Senado não passa de
encenação: o candidato, que conhece alguma coisa de Direito, é examinado por
uma turma heterodoxa que sabe muito menos ainda. E, a partir daí, se abre o
caminho da glória, da realização do sonho dourado, como se a toga tivesse o
condão de transformar pessoas, de lhes plantar extremada excelência para
julgarem defeitos alheios, ou uma sabedoria que exija o domínio de áreas com as
quais nunca tiveram um mínimo instante de intimidade.
A hermenêutica e a dialética, por exemplo, exigem, de
quem usa a toga da instância final, conhecimentos que beirem as virtudes de Rui
Barbosa. Mas a primeira deficiência que trai o nível de cultura dos ministros é
o desconhecimento do latim. A prolixidade de seus votos, a lenga-lenga
repetitiva do “fulano disse isso, beltrano disse aquilo”, revela a dificuldade
deles na síntese. Falta-lhes a estrutura da lógica, que só o latim, o grego e o
alemão ensinam. Daí as dificuldades para encontrarem palavras que evitem
orações sinuosas.
Então eles catam palavras no dicionário e contorcem as
frases, coalhando-as de adjetivos e advérbios. Com esse linguajar, conseguem
impressionar bocejantes leitores de livros de auto-ajuda, passando uma imagem
de seres superiores, saciados de sabedoria, habitantes de páramos inatingíveis.
Tratados como se fossem a elite da intelectualidade na
ciência jurídica, a nata da aristocracia dos sábios, eles não conseguem se
esquivar desses eflúvios de grandeza.Tal espírito superior os afasta da
realidade, do rés do chão da vida, e lhes sopra a sensação de que não são seres
humanos tão frágeis como aqueles que lhes vêm suplicar justiça. Salvo se aparecer
um desmiolado qualquer, um varejista de impropérios, lhes vomitando bravatas,
ameaças e imprecações injuriosas. Aí o Estado encarna neles e os transfigura:
transforma as vítimas em acusadores, juízes e legisladores, que criam o
“mandado de prisão em flagrante”...
E o Legislativo, servil, engasgado pela ignorância
jurídica, se dobra.
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