O
AMOR NOS TEMPOS DO COVID
Foramente seu tino para negócios no ramo de revenda de veículos, a que ele rejeita o apelido de picaretagem, o Violino Migliavacca é sujeito de missa e procissão. Conhece a bíblia até em pontos e vírgulas: herança da reza de rosário em família, seguida da leitura da dita bíblia.
Nesses tempos de pandemia, no meio da insônia, aparece a bíblia. Então o Violino lembra que o Moisés foi ter um particular com Javé no monte Sinai e de lá voltou com o regulamento geral no vão do sovaco: não pode isso, não pode aquilo...
No concernente àquela parte de tirar proveito das sortidas prendas do mulherio, apareceram duas leis: não cometerás adultério e não desejarás a mulher do próximo. Em seguimento, longe de debelar tamanho embaraço para a humanidade, a Igreja Católica engrossou a proibição: não pecar contra a castidade. Por essa proibição, nem pegar a mão da namorada podia. Não pelo gesto em si, mas pelos efeitos que ele podia produzir. Eriçavam-se os cabelos, e uma sensação de arrepio, correndo pelo corpo todo, acabava engrossando as partes no debaixo do umbigo. Então, desejos e pensamentos se confundiam, produzindo o pecado mortal, que levava para o inferno. Lá, o diabo esfregava as mãos de contentamento pela chegada do cliente.
Nem em sonhos se podia imaginar a vizinha desprovida de panos e sutiãs, porque o mesmo pecado se instalava, puxado pelos pensamentos.
O bestunto do Violino então é atacado pela realidade: hoje é a pandemia que proíbe. Como é que o sujeito vai ver a namorada, sem tirar serventia de seus lindosos recheados, sem alisar seus afunilados de cintura, sem se perder naquele emaranhado de mãos e línguas? E, tendo a namorada mais juízo, ela logo vai pensar nos horrores da pandemia, no retiro mortal na UTI, respirando por aparelhos, sem mais nada a desejar do que ar para os pulmões e a vida pela frente.
E
vem à tona seu casamento: “então a gente leva uma beleza em flor, no estado
original de nascença pra frente do altar, metida num vestido com baita rabo e a
carinha bonita por debaixo dum véu transparente, o padre benze, etc. Mas
novidade é como leite em caixinha: tem prazo de validade. O tempo vai desfolhando
a folhinha, espalhando estragos. De tanto repetir a mesma coisa, a rotina vai
tirando a graça de tudo, até chegar àquele gosto de churrasco sem sal”.
Nesse
ponto as lembranças desentocam a pulada de cerca, o compromisso do “até que a
morte vos separe” desmanchado: o amor terceirizado. Então aparecem as virtudes
da outra, daquela que deixa a respiração diferente na pele, empresta o ombro
para chorar, é transformada em novidade a cada encontro. Aquela que desencova
os mais escondidos desejos e provoca outra felicidade, porque é imune ao veneno
mortal da rotina. Só em pensar nela, a desventura da abstinência lhe produz
calafrios: são os efeitos colaterais do Covid 19, que vão retirando das
estatísticas do amor os implantes de chifre.
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