sábado, 27 de novembro de 2021

 

DIFICULDADES DE EXPRESSÃO

O mestre J.R. Guzzo, em sua crônica intitulada “Os Ministros do STF desmoralizam a Justiça”, se referindo àqueles ministros diz: “dez pessoas que não receberam um único voto estão ditando o que o Congresso e o governo têm de fazer, sem prestar contas a ninguém e sem ter nenhuma responsabilidade pelas decisões que tomam”.

De um modo geral tem sido assim e o grande cronista tem razão. Mas ele peca ao criticar a decisão da senhora Rosa Weber, que suspendeu o pagamento de verbas orçamentárias secretas a alguns deputados.

“A anulação da lei que estabelece novas regras para o pagamento das emendas parlamentares é o último ato desse espetáculo de prestidigitação com que o STF engana o país... A lei foi aprovada, de modo indiscutível e legítimo, pela Câmara dos Deputados; deveria, pelo que está escrito na Constituição, entrar em vigor. Mas os ministros não gostaram. Acham que a lei é ruim e, por isso, não pode valer. Façam outra. Essa não pode”, escreve J.R. Guzzo.

Mas o pecado da crítica de Guzzo provém da fonte da decisão: o vernáculo atrapalhado da senhora Rosa Weber, relatora da ação de Descumprimento de Preceito Constitucional, ajuizada por um partido da oposição a Bolsonaro.

A redação da ministra se ajusta ao modelo adotado pela escrita dos juízes em geral e dos ministros do Supremo em particular: um vernáculo serpenteante, coalhado de circunlóquios imprestáveis, sem objetividade e com o sentido amputado por estupefaciente prolixidade.

Diz ela, por exemplo: “reputa-se violado o princípio republicano em face de comportamentos institucionais incompatíveis com os princípios da publicidade e da impessoalidade dos atos da Administração Pública e com o regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado”.

Princípios são preceitos axiológicos que marcam objetivos pessoais, sociais ou institucionais. Mas, para a senhora Rosa Weber, a república tem um único princípio, que ela não denomina, não identifica. O que a ministra, para ser objetiva, devia dizer, mas não disse, é que o orçamento secreto não obedece (esse é o verbo apropriado)  aos princípios do artigo 37 da Constituição.

“Príncipio republicano violado em face de comportamentos institucionais incompatíveis” é um amontoado de palavras que mais servem para bocejar, do que para construir as premissas de um silogismo. Não é “reputando” alguma coisa que se  afirma o Direito através da prestação jurisdicional. Essa exige sólidas afirmações que, arrastadas pela lógica, desemboquem em inarredável conclusão.

A pobreza de técnica de julgamento e a falta de objetividade levaram a redação da senhora Rosa Weber para dentro de um labirinto, onde a procura por um juízo de valor redundará em fracasso, para quem não tiver intimidade com hieróglifos.

A indigência no domínio do  vernáculo só pode combinar com a falta de apuro e precisão na linguagem jurídica, empobrecendo a dialética e construindo discursos que mais se prestam para dormir, do que para convencer.

O que levou José Roberto Guzzo a tecer pesadas críticas à decisão de Rosa Weber, foram as lacunas e as premissas mal construídas que a maltrataram.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

 

RESPEITO ÀS INSTITUIÇÕES?

As, assim chamadas nesse tom genérico, “instituições” são grupos de homens aos quais, por lei ou por costume, são atribuídas funções de liderança em determinadas áreas. A macacada humana como seus primos, os demais macacos, precisam de disciplina, de organização, de ordem, em função da convivência, exigida por sua natureza gregária. E tais requisitos não podem ser confiados aos indivíduos, sob pena de anarquia geral, cada um fazendo o que lhe dá no bestunto.

A tendência do animal, seja ele dotado mais de inteligência do que de instinto, como o homem, ou mais qualificado pelo instinto do que pela inteligência, como os demais animais, é de agir segundo os impulsos de sua natureza, de acordo com as regras de sua constituição biológica. E o indivíduo, porque assim o fez a natureza, com uma carga imensa, uma montanha de egoísmo, quer, antes de tudo, o melhor para si: a melhor fêmea, ou o melhor macho, em porte e beleza e, resumidamente, um mínimo de esforço para colher da vida, o que de mais proveitoso ela possa oferecer.

Por ser cria da natureza, esse animal exige dela, com todo o direito, o melhor. Afinal, ele não pediu para vir ao mundo. A natureza é que promoveu aquele jogo de pega-pega de óvulos e espermatozóides, uma brincadeira que quem acaba pagando é o ser que dela resulta. E aí o sujeito, através de sua natureza personalíssima, faz as cobranças que o seu ego sugere.

Então, para colocar limites nas exigências do ego de cada indivíduo se criaram as instituições civis, militares e eclesiásticas. Em função disso existem os poderes Legislativo, Executivo, Judiciário,  e a Congregação da Fé...

Mas... (e bota muito “mas” nisso) essas instituições não passam de grupos humanos. São os indivíduos ajuntados para meter seu bedelho na humanidade da qual eles se julgam excluídos. O que acontece, então? Ora, outra coisa não poderia acontecer, senão um monte de egos reunidos. Aí está o problema. Nenhum dos indivíduos que compõem as instituições abre mão daquilo que a natureza personalíssima deles exige: o melhor para si.

Então, minha gente, instituições são apenas nomes, apelidos. Nomes abstratos, se pode dizer, porque elas não podem existir por si mesmas. Instituições não passam de ajuntamento de homens que se organizam, trocando favores para se garantirem no poder. E, mais do que isso, colocando o poder a serviço do próprio ego.

Vocês acham que auxílio-disso, auxílio-daquilo, verbas de gabinete, passagens aéreas, transporte de primeira classe, banquetes com vinhos premiados para ministros do STF, pensões vitalícias para filhas solteiras, planos de saúde para senadores, são exigências das “instituições”? O que vocês acham do tempo de aposentadoria que as “instituições” exigem do trabalhador, o longo tempo de contribuição para a previdência, quando o mesmo não exigem dos homens que compõem as ditas “instituições”?

E agora, com a aposentadoria  de suas excelências togadas espichada para os 75 anos, não se surpreenda se, na sua conta como pagador de imposto, aparecer uma rubrica chamada “auxílio-ereção” para as “instituições”...

 

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

 

QUANDO A LEI  IMPLANTA A DISCÓRDIA

“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Assim preceitua a Constituição Federal, no inciso IX do artigo 5º. A seguir, no inciso X, ela estabelece: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral de sua violação”. Antes desses, no inciso VIII, ela sustenta que “ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa, ou de convicção filosófica ou política...”.

O preceito estabelecido nesse inciso VIII, assegurando liberdade de convicção filosófica ou política, combinado com o inciso IX, que consagra a liberdade de expressão, retira do legislador ordinário a competência para transformar em conduta penal qualquer manifestação que revele indisposição contra comportamentos, posturas ou determinados gostos.

Basta saber ler, para extrair da Constituição o que nela está escrito. Acontece, porém, que o analfabetismo funcional está grassando em todas as instituições. Dessa deficiência não escapam os poderes Legislativo e Judiciário. Por não saberem intepretar a Constituição, os legisladores criam crimes por dá cá aquela palha e os juízes consideram crimes, condutas que mais não são do que direitos assegurados constitucionalmente.

Juiz nenhum neste país se deu conta de que os “crimes contra a honra” desde 1988 deixaram de existir. Aqueles “crimes”, assim definidos na legislação autoritária de Getúlio Vargas, são admitidos pelo Judiciário, como se nada tivesse acontecido com a promulgação da Constituição de 1988.

Em 1940, quando foram criados os “crimes contra a honra”, não havia uma Constituição que assegurasse a “liberdade de expressão”. Hoje existe essa Constituição, que não proibe ninguém de falar, de dizer o que pensa. Só emite um sinal amarelo: se da expressão, decorrer “violação da honra” de alguém, quem fez mau do direito de falar mal, está sujeito a pagar “indenização”. E só isso. Nada mais. À luz da Constituição atual, portanto, não há crimes, mas ilícito civil.

Vale o mesmo para as expressões de racismo e de “homofobia”. A “convicção filosófica” de que a função primordial do homem, como animal, é procriar, pode ser oposta como antítese legal a outros gêneros de sexualidade. A“privação dos direitos” de quem expressar suas ideias sobre esse tema, constitui violação de preceito constitucional. Sob pena de violar a consciência e a intimidade da pessoa, a lei também não pode obrigar que se goste de tudo e de todos.

 A Constituição é clara, mas só para quem sabe ler, para quem domina o vernáculo, e não tem espírito fraco, volúvel, que vai na onda. Os direitos fundamentais, nela assegurados explicitamente, exorcizam a proibição implícita contida nas tipificações penais. A menos que se admita uma estúpida contradição no ordenamento jurídico: permite, mas pune.

A criação de leis burras e a falta de capacidade para atinar com tão altissonantes burrices são o fermento da discriminação e do ódio que hoje minam as relações sociais. Tudo por obra do analfabetismo funcional, que vai se alastrando e desovando oficialmente a discórdia...

 


sexta-feira, 5 de novembro de 2021

 

SEM ISENÇÃO, NÃO HÁ SERIEDADE

William Waack, colunista do Estadão, entoa hino de glória e louvor à CPI do Covid, dizendo que ela “constitui um dos mais devastadores relatos na história brasileira sobre incompetência, ignorância e má-fé por parte de um presidente da República”. Para esse colunista, que escreve a serviço de seus patrões, não importa o que operadores do campo do Direito digam sobre tipificação de crimes atribuídos a Bolsonaro.

Mas, não foi com esse exagero de admirações que a população séria, isenta, desatrelada de vínculos com patrões, viu na tal de CPI do Renan Calheiros, do Aziz e do Randolfo Rodrigues. O que se viu foi um espetáculo de circo mambembe, de baixa qualidade, encenado num palco eleitoral, onde figurantes como testemunhas foram humilhados, tratados com desdém, coagidos sob ameaças e sem poder tapar os ouvidos para perguntas idiotas.

Quem tem critérios viu, sim, “incompetência, ignorância e má-fé”, no desempenho teatral de políticos com folha de antecedentes que não lhes permite investigar impurezas de comportamento de quem quer que seja.

A primeira condição que se exige de quem tem a incumbência de investigar atos ilegais, é a de ser possuído de moral irreprochável. Se assim não for, nada que venha de um investigador de moral duvidosa ou de rabo preso em outras investigações ou procedimentos de natureza penal, poderá produzir a convicção  de que se trata de coisa séria.

A segunda condição é de que se trate de pessoa isenta, equidistante dos fatos e de circunstâncias que abonem ou desabonem os investigados. Não se pode acreditar piamente em juízos de valor emitidos por quem se entrega ao trabalho de investigação preso a ideias preconcebidas ou a finalidades outras, que não sejam as inerentes ao objeto da apuração de irregularidades.

Todo mundo sabe, menos o senhor William Waack, que políticos dão uma boiada para servirem como notícia ou como atores principais nessas pantomimas a que chamam de “comissão parlamentar de inquérito”. Sabendo que quem não é visto não é lembrado, eles fazem das tripas coração para atrair câmeras e microfones.

O procurador geral Augusto Aras, como todo o brasileiro que não se deixa enganar, sabe o que representa uma CPI. Por isso, segundo ele, “o Ministério Público poderá agora avançar em investigações”. Nada mais natural. O Ministério Público existe para isso e para isso dispõe de estrutura. Se alguma coisa daquela pantomima da CPI for aproveitável, aí, sim, se pode acreditar que a investigação se tornará séria e confiável.

Pessoas que tenham nível de inteligência normal numa criatura humana hão de perguntar: se existe polícia preparada para investigar, e Ministério Público assentado no Direito para denunciar, para servem as comissões parlamentares de inquérito? Por que, ao invés de legislar, evitando que o Judiciário legisle através de jurisprudência, os parlamentares perdem tempo com o que outras instituições podem fazer melhor?

Enquanto demagogos ignorantes ou sem moral não forem escorraçados da política, as comissões parlamentares de inquérito não passarão de dinheiro do contribuinte jogado fora. Que saiba disso o senhor Waack.