quinta-feira, 11 de novembro de 2021

 

QUANDO A LEI  IMPLANTA A DISCÓRDIA

“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Assim preceitua a Constituição Federal, no inciso IX do artigo 5º. A seguir, no inciso X, ela estabelece: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral de sua violação”. Antes desses, no inciso VIII, ela sustenta que “ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa, ou de convicção filosófica ou política...”.

O preceito estabelecido nesse inciso VIII, assegurando liberdade de convicção filosófica ou política, combinado com o inciso IX, que consagra a liberdade de expressão, retira do legislador ordinário a competência para transformar em conduta penal qualquer manifestação que revele indisposição contra comportamentos, posturas ou determinados gostos.

Basta saber ler, para extrair da Constituição o que nela está escrito. Acontece, porém, que o analfabetismo funcional está grassando em todas as instituições. Dessa deficiência não escapam os poderes Legislativo e Judiciário. Por não saberem intepretar a Constituição, os legisladores criam crimes por dá cá aquela palha e os juízes consideram crimes, condutas que mais não são do que direitos assegurados constitucionalmente.

Juiz nenhum neste país se deu conta de que os “crimes contra a honra” desde 1988 deixaram de existir. Aqueles “crimes”, assim definidos na legislação autoritária de Getúlio Vargas, são admitidos pelo Judiciário, como se nada tivesse acontecido com a promulgação da Constituição de 1988.

Em 1940, quando foram criados os “crimes contra a honra”, não havia uma Constituição que assegurasse a “liberdade de expressão”. Hoje existe essa Constituição, que não proibe ninguém de falar, de dizer o que pensa. Só emite um sinal amarelo: se da expressão, decorrer “violação da honra” de alguém, quem fez mau do direito de falar mal, está sujeito a pagar “indenização”. E só isso. Nada mais. À luz da Constituição atual, portanto, não há crimes, mas ilícito civil.

Vale o mesmo para as expressões de racismo e de “homofobia”. A “convicção filosófica” de que a função primordial do homem, como animal, é procriar, pode ser oposta como antítese legal a outros gêneros de sexualidade. A“privação dos direitos” de quem expressar suas ideias sobre esse tema, constitui violação de preceito constitucional. Sob pena de violar a consciência e a intimidade da pessoa, a lei também não pode obrigar que se goste de tudo e de todos.

 A Constituição é clara, mas só para quem sabe ler, para quem domina o vernáculo, e não tem espírito fraco, volúvel, que vai na onda. Os direitos fundamentais, nela assegurados explicitamente, exorcizam a proibição implícita contida nas tipificações penais. A menos que se admita uma estúpida contradição no ordenamento jurídico: permite, mas pune.

A criação de leis burras e a falta de capacidade para atinar com tão altissonantes burrices são o fermento da discriminação e do ódio que hoje minam as relações sociais. Tudo por obra do analfabetismo funcional, que vai se alastrando e desovando oficialmente a discórdia...

 


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