QUANDO
A LEI IMPLANTA A DISCÓRDIA
“É
livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença”. Assim preceitua a
Constituição Federal, no inciso IX do artigo 5º. A seguir, no inciso X, ela
estabelece: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral de
sua violação”. Antes desses, no inciso VIII, ela sustenta que “ninguém será
privado de direitos por motivos de crença religiosa, ou de convicção filosófica
ou política...”.
O
preceito estabelecido nesse inciso VIII, assegurando liberdade de convicção
filosófica ou política, combinado com o inciso IX, que consagra a liberdade de
expressão, retira do legislador ordinário a competência para transformar em
conduta penal qualquer manifestação que revele indisposição contra
comportamentos, posturas ou determinados gostos.
Basta
saber ler, para extrair da Constituição o que nela está escrito. Acontece,
porém, que o analfabetismo funcional está grassando em todas as instituições.
Dessa deficiência não escapam os poderes Legislativo e Judiciário. Por não
saberem intepretar a Constituição, os legisladores criam crimes por dá cá
aquela palha e os juízes consideram crimes, condutas que mais não são do que
direitos assegurados constitucionalmente.
Juiz
nenhum neste país se deu conta de que os “crimes contra a honra” desde 1988
deixaram de existir. Aqueles “crimes”, assim definidos na legislação autoritária
de Getúlio Vargas, são admitidos pelo Judiciário, como se nada tivesse
acontecido com a promulgação da Constituição de 1988.
Em
1940, quando foram criados os “crimes contra a honra”, não havia uma
Constituição que assegurasse a “liberdade de expressão”. Hoje existe essa
Constituição, que não proibe ninguém de falar, de dizer o que pensa. Só emite
um sinal amarelo: se da expressão, decorrer “violação da honra” de alguém, quem
fez mau do direito de falar mal, está sujeito a pagar “indenização”. E só isso.
Nada mais. À luz da Constituição atual, portanto, não há crimes, mas ilícito
civil.
Vale
o mesmo para as expressões de racismo e de “homofobia”. A “convicção
filosófica” de que a função primordial do homem, como animal, é procriar, pode
ser oposta como antítese legal a outros gêneros de sexualidade. A“privação dos
direitos” de quem expressar suas ideias sobre esse tema, constitui violação de
preceito constitucional. Sob pena de violar a consciência e a intimidade da
pessoa, a lei também não pode obrigar que se goste de tudo e de todos.
A Constituição é clara, mas só para quem sabe
ler, para quem domina o vernáculo, e não tem espírito fraco, volúvel, que vai
na onda. Os direitos fundamentais, nela assegurados explicitamente, exorcizam a
proibição implícita contida nas tipificações penais. A menos que se admita uma
estúpida contradição no ordenamento jurídico: permite, mas pune.
A
criação de leis burras e a falta de capacidade para atinar com tão
altissonantes burrices são o fermento da discriminação e do ódio que hoje minam
as relações sociais. Tudo por obra do analfabetismo funcional, que vai se
alastrando e desovando oficialmente a discórdia...
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