quarta-feira, 27 de julho de 2022

              FALSA CIÊNCIA

Finalmente, alguém, com aparente vocação literária, conseguiu botar para fora alguns podres do Direito. “Biografia não autorizada do Direito” é o livro de Fábio Ulhoa Coelho, que mereceu a apresentação da ensaísta, tradutora e escritora Dirce Waltrick do Amarante, no Estadão. Segundo ela, a obra levanta “questões complexas, importantes e por vezes indigestas, que colocam em xeque, entre outras tantas, a ideia de que o Direito é uma ciência objetiva, como alguns defendem ou gostariam de acreditar”. E cita o prefácio do livro, assinado por Luís Roberto Barroso: “a criação do Direito é essencialmente fruto de uma vontade política, e sua interpretação e aplicação nunca serão inteiramente objetivas. As ciências humanas não lidam com a certeza matemática”.

O autor, de sua parte, afirma que o Direito é algo “bem diferente do que ele vem propagando há algum tempo. Sua identidade é outra. O direito é astuto. Apresenta-se como lógico e é pura retórica. Pretende-se científico, quando não passa de um repertório de opiniões. Mostra-se fortalecido na lei, mas a lei não tem nenhuma força”.

E assim é, realmente. O Direito não passa de um “repertório de opiniões”. Não há causa que, analisada sob o prisma do Direito, não apresente duas faces. Tanto é verdade que o processo é composto pelo requerente e pelo requerido, pela acusação e pela defesa, e cada um deles tem as suas razões.

O Direito outra coisa não é senão uma compilação de leis, normas, regulamentos, assentados sobre princípios seculares, entre os quais se salientam os que cimentaram o Direito Romano. São frutos das ideias de alguém, destinados, teoricamente, a organizar a convivência social.

Só que, aqui no Brasil, não é bem assim. Nem todas as leis visam à regulamentação das relações sociais. Nos últimos tempos, graças à publicidade gerada pela mídia, descobriu-se que muitas leis, normas, regulamentos ou portarias se destinam a beneficiar os próprios legisladores, como o famigerado “fundo partidário”. Sem falar nos benefícios pessoais de auxílio-moradia, auxílio-saúde, pensões vitalícias, passagens aéreas e um número quase infinito de imoralidades.

Ora, se essas imoralidades fazem parte do “ordenamento jurídico” brasileiro, é evidente que o Direito não merece o nome de ciência. E não se venha com a diferença entre ciência objetiva e ciência subjetiva, porque isso não existe. Ciência é ciência e pronto. Aquilo que não tiver como medida a exatidão, não merece o nome de “ciência”.

Se algum reparo cabe na obra de Fábio Ulhoa Coelho é exatamente essa ideia do Direito como “ciência subjetiva”. Quem conhece o funcionamento da Justiça sabe que muita asneira já foi considerada “coisa julgada”. Sem contar outras asneiras como o “livre convencimento do juiz”, ou o “balança, mas não cai”, da jurisprudência do STF, hoje decidindo de uma maneira e amanhã, de outra, conforme for o réu ou o interessado no processo.

            Nada disso cabe no conceito rigoroso de “ciência”. Muitos juízes, e ministros                   gostariam de ser reconhecidos como “cientistas”. Se assim fosse, quem mereceria             o título seriam os estagiários que compõem sentenças e acórdãos

terça-feira, 19 de julho de 2022

 

UMA FARSA CHAMADA DEMOCRACIA

Sob o título “O Papel da Oposição na Corrosão da Democracia”, o Estadão se entrega a fantasias furtivas, vendo chifres em cabeça de cavalo. Acha que a “democracia” no Brasil está a perigo. O final do artigo serve como resumo de seu contéudo. “Não basta criticar o bolsonarismo. Não basta preocupar-se com o futuro. Já hoje muitas lideranças políticas de outras cores partidárias estão, com suas ações e omissões, contribuindo para enfraquecer a Constituição. É assim que começa a temida ruptura democrática” – diz o jornal.

Para começar, democracia, no Brasil, é só apelido, conversa para boi dormir ou para enganar o resto do mundo. Democracia é o governo do povo pelo povo. Mas, aqui, quem menos conta, na administração do país, é o povo. O povo aqui só é lembrado em dois momentos: em tempos de eleição e na hora de elevar os impostos, que mais servem para garantir privilégios de políticos e de certas categorias de servidores, do que para dar ao povo saúde, segurança e educação. A eleição é uma forma de mascarar a oligarquia partidária.

São os partidos com suas manipulações que  metem goela abaixo do povo os candidatos. E o povo fica sem opção: ou vota nos candidatos que lhe foram impostos, ou vota em branco. Mas, até votando em branco o povo contribuiu para uma falsa eleição: a Constituição, no art. 77, §2º, ignora a democracia, desdenhando da vontade do eleitor.

Mas, não é só isso. Ao final do artigo, no qual expõe sua “opinião”, o jornal Estado de São Paulo esquece, ou deixar de elencar por medo, entre os fatores que “contribuem para enfraquecer a Constituição”, a única instituição que tem o dever de preservá-la e não o faz: o STF.

Levado por irreprimível desejo de poder, o Supremo Tribunal Federal deixou de ser o guardião da Constituição, para se adonar dela, para fazer dela o que bem entende. Começou, reformando a Constituição, se servindo do § 3º do seu artigo 226, sem qualquer fundamento jurídico institucional, mas usando como peso pesado uma aura de pieguice social, ao determinar o que aquele dispositivo não determina: transformou homem em mulher e mulher em homem, oficializando a homosexualidade como “união familiar”. Mais tarde, fazendo vistas grossas ao princípio constitucional da isonomia, firmou o dogma de que uns valem mais do que os outros, aprovando as quotas para ingresso nas universidades.

E foi além, com a usurpação da competência legislativa: arvorou-se em legislador comum para criar o crime da discriminação sexual através de jurisprudência. E já que ninguém reclamou, foi adiante: agora, além de se sobrepor ao Executivo, criou um indigesto inquérito onde a própria vítima é acusador e juiz.

A realidade é muito diferente do que diz o Estadão. Quem está enfraquecendo a Constituição não são as “lideranças políticas”, mas uns togados apadrinhados, que não receberam poder do povo para fazer o que estão fazendo.

Na verdadeira democracia o povo não é mero figurante, mas a própria razão de ser do sistema.

 

segunda-feira, 11 de julho de 2022

 

O ABISMO DA IGNORÂNCIA FICA LOGO ALI

Para quem pensava que não seria capaz de se espantar com mais nada, aí está o resultado dessa geração da era digital: o analfabetismo funcional tomando conta da sociedade, avançando com passos de dinossauro.

Pesquisa recente, levada a efeito pelo Núcleo Brasileiro de Estágios, da qual participaram quase sessenta mil concorrentes, desembocou em conclusões arrasadoras, de deixar a boca aberta.

Vamos por partes, para não deixar ninguém engasgado. Comecemos pela ordem decrescente, porque ela revela a fonte desse analfabetismo. 93,5%, sim senhores, 93,5% dos acadêmicos em Pedagogia revelaram insuficiência em Língua Portuguesa. Justamente esses profissionais, a quem será confiada a supervisão didática na alfabetização de crianças, revelam dificuldade no domínio do português.

Precisa dizer mais? Claro. É preciso lembrar que ninguém pode ser reprovado. Desse modo, o analfabeto vai sendo “promovido” para as séries seguintes com a estampa do analfabetismo na testa. E como irá aprender matemática? Como poderá pesquisar sobre história, ciências, geografia, etc?

Ah, para sair dessa, ele buscará a área mais fácil quando, ainda na condição de semialfabetizado, prestar vestibulares: o Direito ou Letras. 85,8%, benzam-se, senhores, 85,8% dos estagiários em Direito, e 85,3% em Letras,  foram eliminados nessas duas áreas, porque apanham das letras, não dominam o vernáculo. De letrinhas só aprenderam a tomar a sopa, na hora da merenda escolar.  Quer dizer, não dominam o fundamental, o único instrumento de trabalho que lhes é exigido no desempenho profissional dessas áreas. E como são campos de ensino que não exigem mais do que o blablablá dos professores, dispensando recursos tecnológicos que custam rios de dinheiro, o diploma em universidades particulares sai a preços módicos, para quem não consegue superar o funil das universidades públicas, nem com as quotas.

E o resultado disso tudo salta aos olhos de quem precisa de Justiça ou  gosta de passar o tempo, entregue ao deleite de bons textos literários,  para enriquecer seus conhecimentos.

Decisões judiciais que se afastam da lei, comprometendo a axiologia jurídica pela falta de capacidade de interpretação, e redigidas em mau vernáculo, já se tornaram rotineiras. E quem as redige? Quem as lavra? Estagiários? Assessores?

Sim, em nenhuma instância faltam estagiários: da comarca onde o diabo perdeu as botas à mais alta Corte de Justiça. Se não são estagiários, são “assessores”, aquinhoados com cargos de confiança que dispensam concurso público.

Ah, e os concursos? De que área provêm os examinadores? Alguém escapará desse avanço do analfabetismo funcional a passos de dinossauro? E os desembargadores e ministros que vestem a toga sem haver prestado concurso?

No fim da pesquisa, há uma surpresa. Os acadêmicos de engenharia atingidos pela ignorância são em número menor: 73,3 %. Claro, sem bons conhecimentos do vernáculo, não se aprende matemática.

Sendo menos ignorantes no trato com a língua portuguesa e mais habilidosos, naturalmente, na matemática, os profissionais da área de engenharia desenvolvem a tecnologia. Desse modo, enquanto livrarias fecham, editoras estertoram e jornais desaparecem por falta de leitores, a tecnologia vai servindo de bengala para a ignorância.

 

quinta-feira, 7 de julho de 2022

 

INTERMEDIANDO A POLITICAGEM                    

Um dos requisitos que a Constituição exige do candidato à Suprema Corte é que ele tenha “notório saber jurídico”. Mas, todo mundo sabe que não é bem assim que funciona. De repente, alguém contemplado pela graça do apadrinhamento, um professor, um advogado, um procurador de qualquer coisa, se torna ministro do Supremo Tribunal Federal.

Nunca em sua história, o Supremo Tribunal Federal foi usado da forma como está sendo usado agora por políticos dos partidos de oposição. Volta e meia um deputado qualquer, ao invés de se utilizar dos meios próprios de fazer política, se socorre do STF para se opor a atitudes funcionais ou pessoais do atual presidente da República. Por dá cá aquela palha, ou estão denunciando o presidente por crimes comuns, ou travando ações que ele desenvolve no  cumprimento de suas funções constitucionais.

E nessas horas, ministros do STF se dão a conhecer, passando atestados públicos de sua maneira de se portar como juízes, mostrando se a toga que trazem sobre o ombro lhes inspira a isenção e a circunspecção exigidas de quem a veste, ou não.

Quem conhece o Direito, mesmo que não seja dotado de “notório” saber jurídico, sabe que o titular da ação penal pública é o Ministério Público. E sabe também que, se não há denúncia, não pode haver ação penal.

O art. 27 do Código Processo Penal estabelece que “qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria, e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção”. Mas, deputados e partidos políticos de oposição, ao invés de seguirem o que diz a lei, se servem do Supremo Tribunal Federal como destinatário de suas denúncias contra o presidente da República. E os ministros do STF se prestam como intermediários, meros intermediários das pretensões dos políticos, remetendo as denúncias para a Procuradoria Geral da República, a única instituição donde poderá partir a propositura de ação penal, nesses casos.

Das intermediações do Supremo, nesse modo usado por políticos para fazer oposição ao governo, a mais recente, que coube à senhora Carmen Lúcia, se presta como bom assunto para quem conhece Direito e vernáculo.  Na petição em que o deputado Israel Batista, do PSB do Distrito Federal, imputa ao presidente Jair Messias Bolsonaro participação no caso dos pastores que usaram o MEC para leiloar verbas, a professora de Direito Constitucional lavrou o seguinte despacho: “considerando os termos do relato apresentado e a gravidade do fato narrado, manifeste-se a Procuradoria Geral da República”.

Quem  tem plena capacidade para interpetar o vernáculo, diante desse texto concluirá que, se não apresentasse “gravidade”, a petição não seria enviada à PGR...

E quem conhece o Direito sabe que, nas atribuições do juiz, não cabe qualquer manifestação sobre uma peça cujo conhecimento compete unicamente ao Ministério Público. O juiz só deve julgar nos autos, provido do “devido processo legal”, não lhe sendo lícito dar opiniões que valham como julgamento antecipado.