O APOCALIPSE DA
IGNORÂNCIA
O inciso XLIV do artigo 5º da Constituição Federal assim reza:
“constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis
ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de direito”.
Não cabendo à Constituição tipificar ações delituosas, os
crimes “contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de direito” devem
ser tipificados através da legislação ordinária. A lei então vigente nessa
matéria, quando entrou em vigor a Constituição de 1988, era a Lei nº 7.170, de
14 de dezembro de 1983, cujo artigo 17 descrevia como crime “tentar mudar, com
emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente, ou o Estado de
Direito”.
Essa era a Lei de Segurança Nacional do
governo João Figueiredo, que não foi modificada pelo Poder Legislativo, senão 33
anos depois da promulgação da Constituição de 1988. Só foi revogada pela Lei 14.197/21.
A finalidade dessa nova lei foi a de incorporar ao Código
Penal a tipificação dos “Crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Fez-se
isso no Título XII do referido Código.
Entre esses crimes figura, no artigo 359-L, o de “tentar, com emprego de
violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou
restringindo o exercício dos poderes institucionais”. No artigo 359-M: “tentar
depor por meio de violência, ou grave ameaça, o governo legitimamente
constituído”.
Na semana passada se noticiou amplamente que alguns
militares ligados ao governo Bolsonaro teriam planejado a morte de Lula, Alkmin
e Alexandre Moraes. A velha imprensa, a partir daí, passou a se deleitar com
orgasmos múltiplos, colocando em manchetes coisas assim: “indiciamento por
golpe de Estado”, “abolição violenta do
Estado de Direito”.
Nem seus editores, nem seus colunistas se entregaram ao
trabalho de pesquisar a lei. E não o fizeram, porque os fatos que deram origem
ao apocalíptico noticiário estão longe de refletir a tipificação de qualquer crime
“contra o Estado de Direito”.
Só analfabetos funcionais leem o verbo “planejar” como
sinônimo de “tentar”. Nas condutas delituosas perpetradas “contra o Estado de
Direito”, o único o verbo usado é “tentar”. Nenhuma delas emprega o verbo
“planejar”.
Não existe “tentativa” sem experimento. Esse é definido
na Lei Penal como início da “execução” do crime (art. 14, II do CP). Será que a
velha imprensa ignora o que é “execução”? Se não sabe, saiba: execução é a ação
que torna realidade o ato planejado.
No caso dos artigos 359 do Código Penal, basta a
tentativa para torná-los crimes consumados. Mas, nenhuma notícia há de algum
fato concreto, que represente o início da execução da morte do Lula, do Alkmin
ou do Moraes, para a “abolição do Estado de direito”, pois esse crime não existe
sem emprego de violência ou ameaça.
Sem atos concretos, um plano para dar golpe de Estado,
matando alguém, é tão abjeto quanto imbecil. Encurralado na própria irrelevância,
um plano desse tipo recusa comentários, porque nem para controvérsia serve. Só
o infortúnio da pobreza de linguagem pode lhe emprestar relevo social, político
ou jurídico.
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