terça-feira, 26 de novembro de 2024

 

O APOCALIPSE DA IGNORÂNCIA

O inciso XLIV do artigo 5º da Constituição Federal assim reza: “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de direito”.

Não cabendo à Constituição tipificar ações delituosas, os crimes “contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de direito” devem ser tipificados através da legislação ordinária. A lei então vigente nessa matéria, quando entrou em vigor a Constituição de 1988, era a Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, cujo artigo 17 descrevia como crime “tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente, ou o Estado de Direito”.

Essa era a Lei de Segurança Nacional do governo João Figueiredo, que não foi modificada pelo Poder Legislativo, senão 33 anos depois da promulgação da Constituição de 1988. Só foi revogada pela Lei 14.197/21.

A finalidade dessa nova lei foi a de incorporar ao   Código Penal a tipificação dos “Crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Fez-se isso no Título XII do referido Código.  Entre esses crimes figura, no artigo 359-L, o de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes institucionais”. No artigo 359-M: “tentar depor por meio de violência, ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.

Na semana passada se noticiou amplamente que alguns militares ligados ao governo Bolsonaro teriam planejado a morte de Lula, Alkmin e Alexandre Moraes. A velha imprensa, a partir daí, passou a se deleitar com orgasmos múltiplos, colocando em manchetes coisas assim: “indiciamento por golpe de Estado”,  “abolição violenta do Estado de Direito”.

Nem seus editores, nem seus colunistas se entregaram ao trabalho de pesquisar a lei. E não o fizeram, porque os fatos que deram origem ao apocalíptico noticiário estão longe de refletir a tipificação de qualquer crime “contra o Estado de Direito”.

Só analfabetos funcionais leem o verbo “planejar” como sinônimo de “tentar”. Nas condutas delituosas perpetradas “contra o Estado de Direito”, o único o verbo usado é “tentar”. Nenhuma delas emprega o verbo “planejar”.

Não existe “tentativa” sem experimento. Esse é definido na Lei Penal como início da “execução” do crime (art. 14, II do CP). Será que a velha imprensa ignora o que é “execução”? Se não sabe, saiba: execução é a ação que torna realidade o ato planejado.

No caso dos artigos 359 do Código Penal, basta a tentativa para torná-los crimes consumados. Mas, nenhuma notícia há de algum fato concreto, que represente o início da execução da morte do Lula, do Alkmin ou do Moraes, para a “abolição do Estado de direito”, pois esse crime não existe sem emprego de violência ou ameaça.

Sem atos concretos, um plano para dar golpe de Estado, matando alguém, é tão abjeto quanto imbecil. Encurralado na própria irrelevância, um plano desse tipo recusa comentários, porque nem para controvérsia serve. Só o infortúnio da pobreza de linguagem pode lhe emprestar relevo social, político ou jurídico.

 

 

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