O MORTO FOI JULGADO E
CONDENADO
Francisco Wanderley
Luiz praticou um ato de loucura, como só uma pessoa destituída do governo da
própria vontade, devido à desorganização psíquica, poderia fazê-lo.
Conhecimentos mínimos das funções psíquicas são suficientes para concluir que
somente alguém movido por surto psicótico grave, queira se entregar à morte, preso
a explosivos. A literatura psiquiátrica atribui a esse tipo de comportamento a
“perda da noção de realidade”.
Mas, a velha imprensa,
que parece haver perdido também as noções da realidade assustadora na área das
perturbações mentais, não deu a mínima para a pessoa, para o ser humano chamado
Wanderley Luiz. O Estadão, em editorial da semana passada, partiu logo para o
julgamento do morto, atribuindo-lhe “malévola intenção de explodir o carro em
um dos estacionamentos da Câmara dos Deputados e... no perímetro do edifício do
STF”. E não contente com isso, enveredou para a adjetivação mais usual no vocabulário
de um carrasco, do que no de um juiz, chamando Wanderley Luiz de “agressor” que
“por sorte não fez outras vítimas de sua torpeza”.
Depois de julgado e
enxovalhado o morto, o texto do editorial espichou suas ilações, nos moldes das
conexões que alimentam um juízo universal, no inquérito do fim do mundo,
presidido por Alexandre Moraes. A espichada, sem disfarce nenhum, tinha em mira
o alvo preferido do jornal, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro: “é
incontornável vincular o atentado... a uma diligente campanha de estímulo à
violência política no País capitaneada por Jair Bolsonaro...”
O adjetivo
“incontornável”, na falta de recursos de redação, foi empregado naturalmente
como anteparo, para fugir da injúria, por atribuir a Bolsonaro a “incitação ao
crime”, prevista no artigo 286 do Código Penal. Tanto que, ao se dar conta
dessa acusação, o jornal não teve escapatória, senão reconhecer que “o
ex-presidente, por óbvio, não inaugurou a violência política no Brasil nem
muito menos tem relação direta com as explosões.”
Mas, para não deixar assim,
de graça, o dito pelo não-dito, o jornal busca refúgio em grotesca desculpa, se
desdizendo: “após a ascensão de Bolsonaro à Presidência da República, a violência
política passou a assombrar o país em uma escala jamais vista”.
Então, a gente se dá o
direito de concluir que a memória do jornal já está ficando desbotada. A violência
política, essa sim, verdadeira violência política, em tempos de cadeiradas,
todo mundo sabe que foi praticada exatamente contra o próprio Bolsonaro, durante
sua campanha como candidato à presidência da República. Violência, sim, porque
deixou uma pessoa entre a vida e a morte, enquanto seu autor teve reconhecida “sua
incapacidade de entender o caráter criminoso do fato”. Só para refrescar a
memória do jornal: o nome do autor é Adélio Bispo.
Nessa linha de
indiferença por pessoas acometidas de doenças mentais, talvez se considerando
imune à “torpeza” desse mal, a colunista Eliane Cantanhede segue seus
empregadores e ainda colabora para a torpe jurisprudência do “juízo universal”,
com esse fecho: “isso é coisa de louco, sim, mas louco terrorista que não
merece anistia”.
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