LIÇÕES DE UMA TRAGÉDIA
Por mais
que a vida lhes ensine, a maioria dos humanos ignora sua compleição animal, sua
insignificância perante o universo, diante do qual eles valem tanto quanto uma
mosca ou um bichinho de goiaba.
Da genialidade
de um Michelangelo à execração social de um morador de rua, nada é aproveitado
como valor pelo sistema planetário, responsável pela vida na terra. Os valores
sociais e morais são invenções do animal humano, na tentativa de harmonizar as
diferenças produzidas pela convivência no grupo: riqueza e pobreza; sabedoria e
ignorância; as celebridades e o povo desimportante que as sustenta.
A sorte,
proporcionada por favores gratuitamente prestados pela vida, desperta
diferentes reações nas pessoas que ela alcança. Só uma coisa nivela esses bem aventurados:
a de se sentirem diferenciados, desiguais, liberados dos esforços, das
necessidades e dos incômodos que perseguem a maioria absoluta da humanidade,
nos mais variados estratos sociais. Por exemplo, utilizando transporte marítimo
ou aéreo próprios. Mas, quando esse privilégio se transforma em meio de
transporte da própria morte, os outros, ou seja, os triviais, os azarados, os não
diferenciados, sentem alguns segundos de felicidade, por não terem sido
contemplados com aquela sorte.
Tratados
de filosofia, livros de autoajuda ou encíclicas papais não conseguem fazer o
homem parar e refletir. Mas esse poder o têm as tragédias. O consternador
acidente aéreo ocorrido em Gramado, às vésperas do Natal, foi uma dessas
tragédias. Ninguém ficou indiferente. Ninguém deixou de sentir um mínimo de
emoção, diante das diversas facetas que o triste acontecimento ofereceu.
Por obra
de um único homem, a desgraça estendeu seus tentáculos, ceifando vidas,
semeando dor, pavor, destruição e agudas preocupações.
Há uma cena
que tão cedo não abandonará a memória de quem a viu. As câmeras do aeroporto de Canela registraram
com nitidez o embarque da família do piloto e proprietário do avião. O que
poderia ter sido fato comum, ficou para a história como um momento pungente.
Uma senhora, certamente a mãe, levava pela mão uma criança. De repente pararam,
enquanto os outros já embarcavam. Em seguida, deixando a criança ali parada, a
senhora seguiu apressada para embarcar. Então, o que se viu foram os
derradeiros passos, vagarosos, parecendo vacilantes, de um inocente se
dirigindo à aeronave.
Um casal,
vindo de Minas Gerais para viver o Natal Luz, teve o café da manhã interrompido,
na pousada onde estavam: um clarão,
seguido de aterrador estrondo que sacudiu o prédio. Às pressas deixaram o
local, vendo o reboco se desprendendo do teto.
Na saída do prédio, viram duas pessoas, saindo da cozinha, envoltas em
fogo. O casal tirou os próprios casacos para abafar aquelas chamas. E foi tudo
o que puderam fazer, correndo apenas com o que lhes restou no corpo.
Nesse
quadro de desgraças, que apagam as diferenças entre valores humanos, o exaustivo
e doloroso trabalho dos operadores do IML apresentou o mais lancinante
testemunho: um braço decepado de criança, perdido entre os escombros e outros
corpos esquartejados. Era o bracinho abandonado pela mão da mãe...
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