EXPLICANDO O INEXPLICÁVEL
Na
primeira infância, não há criança que, recriminada por algum mal feito,
reconheça prontamente o erro e dê a mão à palmatória. Se houver, será uma
raríssima exceção, porque a criança, que ainda não consegue raciocinar, obedece
unicamente à lógica dos sentimentos. Quer dizer, são os sentimentos que lhe
ditam todas e quaisquer respostas, quando inquirida ou instada a falar, expondo
razões.
Bem
servido foi, com tais pensamentos, o humor de quem leu, no Estadão, um artigo
da lavra de Luís Roberto Barroso, intitulado “O STF que o Estadão não mostra”.
Para
quem não sabe, ou não se lembra, o autor é o atual presidente do STF. Pois, o
que aconteceu foi exatamente isso: recriminado o referido tribunal em vários
editoriais do Estadão, mercê de atitudes, pronunciamentos ou decisões que soam
mal, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista da deontologia
judiciária, veio a público o senhor Barroso dar suas explicações, em nome da
instituição por ele presidida.
No
espaço deixado pela escassez de razões, sobram sentimentos. O primeiro deles é
o da injustiça, estampado no título do artigo “O STF que o Estadão não mostra”,
e esclarecido pela queixa de que “não é justo criticar o Tribunal por aplicar a
Constituição”.
Ora, o
STF foi criticado por se desgarrar da Constituição, reivindicando papéis no
melodrama político e social. E não são críticas genéricas, mas consubstanciadas
em fatos amplamente conhecidos. Um dos muitos fatos conhecidos, e alvo das mais
duras críticas, foi a imposição de uso de câmeras na farda de policiais. E a
desculpa do Barroso se esfarrapou assim: “há quem ache que a violência policial
descontrolada contra populações pobres é uma boa política de segurança pública.
Mas não é o que está na Constituição”.
Nem
podia estar na Constituição. A Constituição se limita a definir a competência
da polícia. Abusos e violência são questões atinentes às leis penais. Se “não
está na Constituição”, compete ao Legislativo, e não ao STF, a criação de
normas de segurança. O
Estadão criticou o STF pelo que ele não fez: zelar pela Constituição.
Ninguém
conseguirá conter o riso, fustigado pelo deslumbre do senhor Barroso, que força
a lembrança dos bons tempos de criança: “somos o tribunal mais transparente do
mundo”. Quem se lembrar da madrasta da Branca de Neve, certamente adotará essa
versão: espelho, espelho meu, haverá no mundo algum tribunal mais transparente
do que eu?
O
ministro quer aplausos. Mas, quem merece aplausos é o artista, que demonstra
habilidade na execução da arte. Funcionário público não é artista. Não merece
aplauso só por cumprir seu dever. O STF sofreu e sofre críticas por se ter
refugiado na sombria ambivalência de legislador e juiz, usando o Direito para
animar uma coreografia política. O dever do juiz é julgar, simplesmente julgar,
adstrito à sua competência funcional, que não é fazer o bem, e muito menos o
mal, como deixar morrer à míngua prisioneiros que estão sob sua custódia e que
têm o direito fundamental à vida...
Nenhum comentário:
Postar um comentário