SAMBA-ENREDO
DE TOGA
João
Eichbaum
Acusado
de quatro homicídios, Cesare Battisti foi condenado pela justiça italiana à
prisão perpétua. Mas da sentença só tomou conhecimento através de seus
companheiros. Já havia fugido da Itália e curtia boa vida no México. Dali se
exilou na França, sob a proteção do companheiro Miterrand. Extraditado pelo
governo que sucedeu a Miterrand, fugiu para o Brasil.
Aqui,
seu drama pessoal se transformou em novela, dessas em que o autor se embanana,
dá sinal de que tudo vai terminar bem, com os amantes vivendo felizes para
sempre, mas traz para dentro de sua obra atores que só produzem trapalhadas.
Preso,
Battisti foi acolhido no regaço do companheiro Tarso Genro, que lhe ungiu a
testa com a estrela de refugiado político. Como a companheirada conhece bem o
preço da justiça no Brasil, contratou para defendê-lo, no processo de
extradição, um advogado que apregoa alto, para surdo ouvir, depois de alinhavar
os competentes adjetivos: “o Direito nega a justiça para quem não pode
comprá-la”.
Não
deu outra. O STF construiu aquela jurisprudência tipo salada mista: aprovou a
extradição de Battisti, mas fez como Pilatos ao deixar a latrina: lavou as
mãos, entregando a decisão ao Presidente da República. Que, sendo o Lula,
acreditava mais no Tarso Genro, claro.
No
ano seguinte, a Dilma raspou a estrela de refugiado, que o Battisti trazia na
testa: tinha prêmio. E ele ganhou o visto de permanência no país. Ora, onde se
viu, né? Refugiado político tem direito às belezas do Rio, que incluem samba,
mulatas, loiras, morenas, praias e carnudos bumbuns.
Sem
Dilma na parada, Temer ficou tomando conta da república. Aí, nesse capítulo, a novela toma outro rumo
e pega jeito de samba-enredo sem pé, nem cabeça. Sabendo que as unhas bem
tratadas dos ministros protegem contra as garras da lei, a turma do Battisti
impetrou habeas corpus preventivo, para evitar que Temer decretasse a
extradição. Uma liminar do Fux deixou Battisti longe do desconforto infeccioso
da prisão perpétua.
Então,
ficou assim, ó: Temer decretou a extradição, condicionando-a à decisão do
habeas corpus, o Fux concedeu o habeas corpus, condicionando-o à decisão do
STF, mas depois voltou atrás e mandou prender o Battisti, que tinha sido preso
por crime de evasão de divisas e estava solto por habeas corpus.
Com
os vaivéns do Fux, Battisti se escafedeu. Viscoso, escorregadio, mais difícil
de agarrar do que muçum ensaboado, deixou a polícia federal a ver navios,
aviões e tudo o mais que desaparece no mar e no céu. Só foi preso pela Interpol
e agentes da Bolívia, quando flanava por uma rua de Santa Cruz de La Sierra.
O
general Augusto Heleno ainda quis usar a polícia federal como cereja no bolo
Battisti, para entregá-lo à Itália. Não deu. A polícia italiana chegou antes,
para atravessar o samba do STF. Não podia se submeter ao risco da insegurança
jurídica desse país, onde advogados se transformam em juízes e juízes se
transformam em advogados. E a gente nunca sabe quem é quem.
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