sexta-feira, 18 de janeiro de 2019


SAMBA-ENREDO DE TOGA
João Eichbaum

Acusado de quatro homicídios, Cesare Battisti foi condenado pela justiça italiana à prisão perpétua. Mas da sentença só tomou conhecimento através de seus companheiros. Já havia fugido da Itália e curtia boa vida no México. Dali se exilou na França, sob a proteção do companheiro Miterrand. Extraditado pelo governo que sucedeu a Miterrand, fugiu para o Brasil.

Aqui, seu drama pessoal se transformou em novela, dessas em que o autor se embanana, dá sinal de que tudo vai terminar bem, com os amantes vivendo felizes para sempre, mas traz para dentro de sua obra atores que só produzem trapalhadas.

Preso, Battisti foi acolhido no regaço do companheiro Tarso Genro, que lhe ungiu a testa com a estrela de refugiado político. Como a companheirada conhece bem o preço da justiça no Brasil, contratou para defendê-lo, no processo de extradição, um advogado que apregoa alto, para surdo ouvir, depois de alinhavar os competentes adjetivos: “o Direito nega a justiça para quem não pode comprá-la”.

Não deu outra. O STF construiu aquela jurisprudência tipo salada mista: aprovou a extradição de Battisti, mas fez como Pilatos ao deixar a latrina: lavou as mãos, entregando a decisão ao Presidente da República. Que, sendo o Lula, acreditava mais no Tarso Genro, claro.

No ano seguinte, a Dilma raspou a estrela de refugiado, que o Battisti trazia na testa: tinha prêmio. E ele ganhou o visto de permanência no país. Ora, onde se viu, né? Refugiado político tem direito às belezas do Rio, que incluem samba, mulatas, loiras, morenas, praias e carnudos bumbuns.

Sem Dilma na parada, Temer ficou tomando conta da república.  Aí, nesse capítulo, a novela toma outro rumo e pega jeito de samba-enredo sem pé, nem cabeça. Sabendo que as unhas bem tratadas dos ministros protegem contra as garras da lei, a turma do Battisti impetrou habeas corpus preventivo, para evitar que Temer decretasse a extradição. Uma liminar do Fux deixou Battisti longe do desconforto infeccioso da prisão perpétua.

Então, ficou assim, ó: Temer decretou a extradição, condicionando-a à decisão do habeas corpus, o Fux concedeu o habeas corpus, condicionando-o à decisão do STF, mas depois voltou atrás e mandou prender o Battisti, que tinha sido preso por crime de evasão de divisas e estava solto por habeas corpus.

Com os vaivéns do Fux, Battisti se escafedeu. Viscoso, escorregadio, mais difícil de agarrar do que muçum ensaboado, deixou a polícia federal a ver navios, aviões e tudo o mais que desaparece no mar e no céu. Só foi preso pela Interpol e agentes da Bolívia, quando flanava por uma rua de Santa Cruz de La Sierra.

O general Augusto Heleno ainda quis usar a polícia federal como cereja no bolo Battisti, para entregá-lo à Itália. Não deu. A polícia italiana chegou antes, para atravessar o samba do STF. Não podia se submeter ao risco da insegurança jurídica desse país, onde advogados se transformam em juízes e juízes se transformam em advogados. E a gente nunca sabe quem é quem.


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