O
DIREITO PARA ANALFABETOS FUNCIONAIS
João
Eichbaum
O analfabetismo funcional consiste naquela
deficiência que leva as pessoas a encontrarem nas palavras qualquer sentido,
menos o que elas têm. E esse cupim do intelecto já chegou aos altos escalões da
República. A Lei 11.689/08, por exemplo, reflexo dessa deficiência, é de uma
inutilidade perniciosa. As mudanças por ela operadas na formulação dos quesitos
para o júri levam a pensar que nem Legislativo, nem Executivo, nem Judiciário
sabem o que significa “contraditório e ampla defesa”.
Semana passada um jornal gaúcho transcreveu os
quesitos do júri a que foram submetidos um médico, sua mulher e outras pessoas,
acusados da morte de um menino, filho de primeiro.
O
quesito principal foi assim redigido: “o réu, com amplo domínio do fato,
interessado no desfecho da ação, concorreu para a morte da vítima como mentor e
incentivador da empreitada delituosa”? Não é uma pergunta, mas um quesito com a
resposta incubada. As premissas para condenação foram nele colocadas: o réu
tinha “amplo domínio do fato”, estava “interessado no desfecho da ação e agiu
“como mentor e incentivador”. Por força da lógica não havia alternativa: ele
tinha que ser considerado como coautor do crime.
O
“domínio do fato”, o interesse e a maquinação são circunstâncias que constroem
a coautoria, no caso. Sem elas, não haveria a participação do réu. Sobre a
existência de tais circunstâncias, portanto, deveria ser consultado o júri,
antes de se pronunciar sobre a coautoria.
Além disso, elas representam uma tese
unilateral, a da acusação. E a tese da defesa, para atender ao princípio do
contraditório? Ah, para essa, apesar da norma do parágrafo único do art. 482,
não há lugar no elenco dos quesitos. O rigor científico do direito foi
substituído pela vulgaridade dos filmes americanos, no inciso III do art. 483: “o jurado absolve
o acusado”?
Ora,
se a questão toda se resume em saber se os jurados absolvem ou não o réu, por
que perder tempo com outros quesitos? Imaginem se os jurados respondem que o
réu cometeu o crime, mas deve ser absolvido, ou que não cometeu o crime, mas deve
ser condenado.
Hoje,
nos crimes de intensa repercussão social, os réus são prejulgados pela imprensa
e pelas redes. Sangue, manchando páginas de jornais e escorrendo pelas telas da
TV e de celulares, tranca a humanidade na grade das emoções, desata a histeria
e inibe a razão. Nas entranhas dessa realidade, o quesito sobre absolvição,
encravado como inciso III do art. 483 do CPP, parece que tem o propósito de
evitar raciocínios sutis, nesse país atulhado de bacharéis, onde o exercício do Direito se esgota no
“copia e cola”.