sexta-feira, 26 de abril de 2019


ESPELHO MEU, EXISTE ALGUÉM MAIS PODEROSA DO QUE EU?
João Eichbaum
Dono de uma folha corrida carregada de malfeitos e condenado por homicídio, o sujeito foi poupado da cadeia, por falta de “vaga” no sistema prisional. O juiz ou a juíza lhe permitiu ficar em casa, como um vagabundo decente, de digestão perfeita e consciência limpa, aguardando a tornozeleira eletrônica.
Mas, ao invés de ficar bonzinho no seio do lar, esperando o castigo, sentadinho na frente da televisão e olhando a Ana Maria Braga, o cara foi para a rua, como se nada houvesse acontecido, procurar a turma dele. Numa refrega, matou mais um, mas foi ferido e levado para o hospital.
Com medo da vingança, o protegido da justiça pediu para trocar de leito e foi atendido. Para o lugar dele foi um jovem trabalhador, que convalescia, depois de um acidente de moto. O jovem inocente morreu: tendo sido transferido para o quarto antes ocupado pelo criminoso, foi cravejado de tiros. Isso aconteceu em novembro último.
Semana passada, pai e filho foram executados durante assalto à sua joalheria. Dos bandidos que praticaram o crime, um era foragido da justiça, e o outro estava no gozo de seus privilégios de bandido: por não haver “vaga” no sistema prisional, sua “pena” devia ser cumprida em casa, aguardando a tornozeleira eletrônica.
Para a Justiça parece que não há outra sociedade, senão aquela feita ou concebida por ela: a dos bandidos bons. Depois de consultar o espelho para saber se alguém há com mais poder, ela se paramenta como entidade destinada a corrigir desígnios e a montar enredos, por sua absoluta vontade. Longe dos juízes a ideia de que são servidores públicos, e que o serviço público deve ser prestado em favor da sociedade, da sociedade que lhes paga os polpudos salários, e não em benefício dos indivíduos que vivem à margem das regras, convulsionando o grupo social.
A administração da justiça, antes de ser um poder, é um dever. Mas, embriagados por teorias que transformam bandidos em coitadinhos, há juízes que deixam a conta da ressaca para sociedade. Botam asas em porcos, torturando premissas, para que elas desemboquem na negação da realidade, que é um dos efeitos da embriaguez do poder.


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