sexta-feira, 12 de abril de 2019


O DIREITO PARA ANALFABETOS FUNCIONAIS
João Eichbaum
 O analfabetismo funcional consiste naquela deficiência que leva as pessoas a encontrarem nas palavras qualquer sentido, menos o que elas têm. E esse cupim do intelecto já chegou aos altos escalões da República. A Lei 11.689/08, por exemplo, reflexo dessa deficiência, é de uma inutilidade perniciosa. As mudanças por ela operadas na formulação dos quesitos para o júri levam a pensar que nem Legislativo, nem Executivo, nem Judiciário sabem o que significa “contraditório e ampla defesa”.
 Semana passada um jornal gaúcho transcreveu os quesitos do júri a que foram submetidos um médico, sua mulher e outras pessoas, acusados da morte de um menino, filho de primeiro.
O quesito principal foi assim redigido: “o réu, com amplo domínio do fato, interessado no desfecho da ação, concorreu para a morte da vítima como mentor e incentivador da empreitada delituosa”? Não é uma pergunta, mas um quesito com a resposta incubada. As premissas para condenação foram nele colocadas: o réu tinha “amplo domínio do fato”, estava “interessado no desfecho da ação e agiu “como mentor e incentivador”. Por força da lógica não havia alternativa: ele tinha que ser considerado como coautor do crime.
O “domínio do fato”, o interesse e a maquinação são circunstâncias que constroem a coautoria, no caso. Sem elas, não haveria a participação do réu. Sobre a existência de tais circunstâncias, portanto, deveria ser consultado o júri, antes de se pronunciar sobre a coautoria.
 Além disso, elas representam uma tese unilateral, a da acusação. E a tese da defesa, para atender ao princípio do contraditório? Ah, para essa, apesar da norma do parágrafo único do art. 482, não há lugar no elenco dos quesitos. O rigor científico do direito foi substituído pela vulgaridade dos filmes americanos,  no inciso III do art. 483: “o jurado absolve o acusado”?
Ora, se a questão toda se resume em saber se os jurados absolvem ou não o réu, por que perder tempo com outros quesitos? Imaginem se os jurados respondem que o réu cometeu o crime, mas deve ser absolvido, ou que não cometeu o crime, mas deve ser condenado.
Hoje, nos crimes de intensa repercussão social, os réus são prejulgados pela imprensa e pelas redes. Sangue, manchando páginas de jornais e escorrendo pelas telas da TV e de celulares, tranca a humanidade na grade das emoções, desata a histeria e inibe a razão. Nas entranhas dessa realidade, o quesito sobre absolvição, encravado como inciso III do art. 483 do CPP, parece que tem o propósito de evitar raciocínios sutis, nesse país atulhado de bacharéis,  onde o exercício do Direito se esgota no “copia e cola”.


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