A NAMORADA QUE SONHEI
João Eichbaum
No meu tempo de chão de
fábrica, quando a vida não passava duma ressaca atrás da outra, a única coisa
que eu fazia era sonhar. Sonhava na frente do martelinho de cachaça e meu
namoro começava com ele. Olhava pra ele com carinho, tinha vontade de pegar, mas
não pegava. Se agarrasse, acontecia aquilo que acontece a todo mundo, quando a
guria dá sopa: metia a boca.
Então, pra dar tesão na
língua, eu namorava o martelinho, olhava pra ele e sonhava. Era um sonho
líquido. O diabo é que a cachaça sabe esperar. Ela espera no barril durante um
bom tempo. Depois, na garrafa, outro tempão. Mas tesão em língua não sabe
esperar. Aí eu partia pros finalmente.
Enquanto o bodegueiro me
dava crédito, tudo bem. Ia mais um, mais outro martelinho da 51. Mas, quando a
conta do caderno ameaçava estourar o fiado, aí a coisa ficava feia. Ia só um martelinho,
aquele que faz o cara sacudir, que nem
cachorro molhado. O resto era sonho, e eu ficava absorto, olhando pra rua.
Ficava assim, olhando o
melhor da paisagem paulistana, aquelas criaturas que servem de estimulante para
os olhos e demais partes: as mulheres. Naquele tempo eu só tinha amores casuais
e remunerados. E aí, na falta do sonho líquido, vinha o sonho da carne. E para
sonhar eu escolhia as passantes. Aquelas tias varizentas e de peito caído
passavam em branco. Para quebrar galho, até serviam. Mas não para sonhar.
Então, como ia dizendo,
eu sonhava. Sonhava com aquelas de terninho, combinando saia e blusa, meias
brilhantes, o corpo gingando em cima do salto alto. Nenhuma de corpo feio. Tudo
no lugar: peitinhos empinados, bumbuns salientes, dando o ritmo.
Uma assim é que eu
queria. Queria e estava necessitado. Uma que ganhasse uns dezessete mil por
mês. Mas quem é que ia me querer? Com aquela barba preta, respingada de baba e de
molho de cachorro quente, boa pra aninhar chato, (por que não, né?) que mulher
de terninho ia me querer?
Mas, com esse potentado
de boa conversa, que é minha língua enrolada, a qual sai soprando “ff” quando
eu digo “ss”, mas cai bem nos ouvidos, tanto de parvos como de safados, acabei
me dando bem. Enquanto o planeta girava, fui subindo. Deixei o chão de fábrica
e cheguei à mesa redonda dos patrões. Ali tive chance de ver de perto moças de
terninho, combinando saia e blusa. Mas isso só ficava nos olhos e nos sonhos.
Enfim, consegui subir
muito alto, onde pouca gente pode chegar. Casei, viuvei, casei de novo. E aí,
no paralelo, começaram a aparecer as de terninho combinando. Ajeitei as que
pude ajeitar, fiquei viúvo outra vez. Por conta de injustiças de malfeitos que
não fiz, acabei no xilindró.
Mas agora, por astúcias
do destino, me aparece uma daquelas de terninho que eu ajeitei na vida. Uma
criaturinha que parece mais inventada do que nascida, tão bem apanhada que é,
em curvas e recôncavos. Veio aqui na cadeia me pedir em casamento. E ela ganha
exato aquilo que eu desejava nos meus sonhos de antigo pobre: dezessete mil por
mês. Ora, vá entender essas artimanhas da vida! Logo agora, que já não seguro o
mijo nas calças e dezessete mil pra mim não é nada, se realiza um sonho...