A CENSURA NA BIENAL
João Eichbaum
Sabedor de que um livro
intitulado VINGADORES – CRUZADA PARA CRIANÇAS exibia dois marmanjos se beijando
freneticamente, o prefeito Crivella mandou recolher os exemplares que estavam à
venda na Bienal do Rio de Janeiro. A notícia se espalhou. E a turma que gosta
de se lambuzar nos compartimentos dos fundos correu atrás dos livros. Em pouco
tempo, se esgotaram os exemplares da obra na feira.
No ato seguinte, a
presidência do TJ do Rio, atendendo a pedido da Bienal, proibiu o recolhimento,
argumentando que não é da competência do governo municipal impedir a
comercialização de obras por seu conteúdo. Aí, um tal de Felipe Neto resolveu
distribuir obras LGBT lacradas, mas exibindo essa advertência: “este livro é
impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas”. No terceiro
ato, o desembargador, para o qual tinha sido distribuído o processo, cassou a
primeira decisão e autorizou o governo municipal a apreender os livros “que não
estivessem lacrados com advertência para o conteúdo”.
Nessa altura dos acontecimentos,
assoma no palco a Raquel Dodge e chama o Supremo para participar da peça
teatral judiciária. Como não podia deixar de ser, se apresenta Dias Toffoli e
recita seu papel: “o regime democrático pressupõe um livre trânsito de ideias
no qual todos tenham direito a voz”. E descendo às minudências da prosopopeia:
“as liberdades de expressão intelectual, artística, científica, de crença
religiosa, de convicção filosófica e de comunicação são direitos fundamentais e
essenciais à concretização dos objetivos da República Federativa do Brasil,
notadamente o pluralismo político e construção de uma sociedade livre, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, ou idade, ou quaisquer outras formas
de discriminação”.
Para quem conhece um
mínimo de Direito, a questão é extremamente simples: a lei não permite ao
governo municipal apreender livros, com base em seu conteúdo. Esse seria o
único argumento válido para impedir a medida ilegal, sem mais nenhum blábláblá.
Mas, desavisados por seus
saberes jurídicos de que uma causa passa pelo processo antes de chegar ao
Direito Constitucional, ministros não tiveram tino para ver que era questão a
ser desembaraçada com pouco verbo. E, na contramão do horror universal à
pedofilia, defenderam o capital dos desfavorecidos pela pouca leitura de
livros. “Consubstanciou-se um ato de
verdadeira censura prévia”, sentenciou Gilmar Mendes. E Celso de Mello, usando
literatura de conto de assombração: “registro preocupante das trevas que dominam
o poder do Estado”.
Já Dias Toffoli merece um
capítulo à parte, quando copia e cola a Constituição: “preconceito de idade
como forma de discriminação”. Olhem só: um garoto vai ao cabaré e solicita
serviços de cama, debaixo dos lençóis, com bem servida menina da casa. Mas a
menina se nega: “não dou pra de menor”. Então, acavalado no palavrório do
Toffoli, o garanhão precoce pode botar desavença na justiça contra a
criaturinha, já que um dos “objetivos da República Federativa do Brasil é a
construção de uma sociedade livre, solidária, sem preconceito de idade, que é
uma forma de discriminação”. E aí, por ordem da Justiça, a rapariga terá que
dar.
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