sexta-feira, 1 de novembro de 2019


DIES IRAE

João Eichbaum

“Citação de Bolsonaro pode levar o inquérito sobre a morte de Mariele para o Supremo”. Foi com essa manchete que a Veja e a Globo fizeram a chamada da notícia. Quem conhece o Direito não poderia ficar indiferente diante desse texto. “Citação” é um termo técnico que significa “chamamento a juízo”. E só é chamado a juízo, isso é, citado, quem for denunciado por algum crime.

Ora todo o mundo, todo o mundo mesmo, porque a notícia correu o mundo, todo o mundo sabe que Mariele foi assassinada. Então, se Mariele foi assassinada e Bolsonaro foi “citado”, a primeira ideia que varre a mente do bacharel em Direito é a de que o atual presidente da república está envolvido no crime.

Não foi preciso muito tempo para que bacharéis e outros iletrados enchessem as redes sociais com comentários desairosos e júbilos incontidos pela desgraça alheia, acoimando Bolsonaro de criminoso e de outras barbaridades.

Mas, não podendo fugir da verdade, o noticiário da Globo teve que descer às minúcias.  Depondo na polícia, o porteiro do condomínio, onde Jair Bolsonaro é dono de uma unidade habitacional, dissera que, ligando para a casa do então candidato à presidência, fora atendido “pelo senhor Jair”. O propósito do telefonema teria sido o ingresso de um suposto assassino de Mariele no condomínio, informando que iria à casa de Bolsonaro.

Já que não havia sido “citação”, mas simples “menção” do nome do “senhor Jair”, que razões haveria para a remessa do inquérito ao Supremo Tribunal Federal? Nesse caso, Jair Bolsonaro só poderia ser ouvido como testemunha, sem que fosse necessária qualquer outra providência, a não ser uma simples carta precatória.

Mas, a Globo e a Veja já haviam implantado a frívola e cavilosa notícia. Ora, quem, atravancado no contexto de um fato criminoso, ficaria calado? Quem é que teria sangue de barata suficiente para aguentar com cara de “tá tudo bem” a avalanche de impropérios que tomaram conta das redes sociais? Jair Bolsonaro reagiu, claro. Bem ao jeito dele como indivíduo, como ser humano colérico, incapaz de se submeter silenciosamente ao jugo de uma injustiça, que nem estômago de bode digere.

Jair Bolsonaro nunca foi diplomata, nunca perdeu a voz, para passar por bem educado. Inúmeras vezes já provou que fala primeiro, para depois pensar. Só a hipocrisia pode exigir dele a “postura do cargo”. Cargo nenhum produz dignidade. Não há força natural que exorcize as fraquezas e misérias próprias do animal humano, só porque alguém assumiu o cargo de presidente da república. Se os parlamentares não se respeitam uns aos outros, se não respeitam seus próprios eleitores e muitos deles não demonstram um pingo sequer de dignidade ao assumirem a tribuna, e se ministros do Supremo não agem com a serenidade que lei lhes impõe e se expõem ao vexame, por que se há de exigir postura de magistrado do Bolsonaro?

Esse país nunca foi sério. Começamos com um rei retardado e chegamos a um Estado apodrecido pela corrupção. Donde Bolsonaro extrairia o modelo de estadista sereno?



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