O DEPRIMENTE ESPETÁCULO
JUDICIÁRIO
João Eichbaum
Toda a fraqueza da
justiça brasileira foi exposta nas três ações declaratórias de
constitucionalidade, cujo julgamento dividiu a opinião pública sobre a prisão
em segunda instância, acirrou ânimos, enraizou inimizades e transformou o país
numa arena que muito lembrou o Coliseu de Roma no passado.
Com origem no artigo 102,
inciso I, letra “a” da Constituição Federal, a tal “ação de declaratória de
constitucionalidade” é uma das muitas asneiras costuradas nessa colcha de
retalhos, que o discurso empolado dos juristas costuma chamar de Lei Maior.
Que falta de senso
prático, que falta de neurônios, que estonteante ausência de objetividade nesse
dispositivo constitucional! Vejam só: essa tal ação tem por objetivo a
afirmação de que uma lei ou um ato normativo está de acordo com a dita
Constituição Federal. É o mesmo que convocar o tribunal para dizer que a chuva
é molhada, ou que o círculo é redondo.
Ora, se existe a “ação
declaratória de inconstitucionalidade”, por qual razão prática haveria de
existir também a ação declaratória de constitucionalidade”?
O caso, que quase levou o
país à convulsão social, mostra que o número de analfabetos funcionais é muito
maior do que a gente pensa. Olhem só: os autores ingressaram com a ação para
que Supremo Tribunal Federal declarasse que o art. 283 do Código de Processo
Penal é constitucional, diante do que estabelece o art. 5º, inciso LVII da
Constituição Federal.
Então, vejamos. Assim
reza o artigo 283 do Código de Processo Penal: “ninguém será preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou,
no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou
preventiva”.
E o já badalado artigo
5º, inc. LVII estabelece: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória”.
Qualquer pessoa ligeiramente
alfabetizada encontrará um acasalamento perfeito entre o artigo da lei
ordinária e o artigo da Constituição. E quem conhece a Constituição sabe que o
artigo 283 não passa de cópia parcial do inciso LXI do art. 5º da mesma CF.
Mas os advogados gastaram
litros de saliva para sustentar o óbvio. Pior ainda o Supremo Tribunal Federal,
que precisou de três semanas, de sonolentas e prolixas laudas, dos xingamentos
do Gilmar Mendes, da ladainha de adjetivos e advérbios do Celso de Mello e da
Rosa Weber empastelando o vernáculo, para mostrar, num plenário saturado de
narcisismo, que o círculo é redondo.
O espetáculo, que mais serviu
para escandalizar do que para arrancar interjeições de júbilo, poderia ter sido
evitado com uma leitura inteligente do inciso I, letra “a”, do artigo 102 da
Constituição Federal: tanto a ação direta de inconstitucionalidade, como essa
excrescência burra chamada declaratória de constitucionalidade têm como objeto
“lei”, e não artigos de lei isolados em casos concretos.
Senso prático e
objetividade são frutos da inteligência. Constituinte chama-se a um saco que
mistura doutores e analfabetos. E o STF prefere teatralizar espetáculos de mau
gosto do que dar lições de sabedoria.
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