sexta-feira, 15 de novembro de 2019


O DEPRIMENTE ESPETÁCULO JUDICIÁRIO
João Eichbaum

Toda a fraqueza da justiça brasileira foi exposta nas três ações declaratórias de constitucionalidade, cujo julgamento dividiu a opinião pública sobre a prisão em segunda instância, acirrou ânimos, enraizou inimizades e transformou o país numa arena que muito lembrou o Coliseu de Roma no passado.

Com origem no artigo 102, inciso I, letra “a” da Constituição Federal, a tal “ação de declaratória de constitucionalidade” é uma das muitas asneiras costuradas nessa colcha de retalhos, que o discurso empolado dos juristas costuma chamar de Lei Maior.
Que falta de senso prático, que falta de neurônios, que estonteante ausência de objetividade nesse dispositivo constitucional! Vejam só: essa tal ação tem por objetivo a afirmação de que uma lei ou um ato normativo está de acordo com a dita Constituição Federal. É o mesmo que convocar o tribunal para dizer que a chuva é molhada, ou que o círculo é redondo.

Ora, se existe a “ação declaratória de inconstitucionalidade”, por qual razão prática haveria de existir também a ação declaratória de constitucionalidade”?

O caso, que quase levou o país à convulsão social, mostra que o número de analfabetos funcionais é muito maior do que a gente pensa. Olhem só: os autores ingressaram com a ação para que Supremo Tribunal Federal declarasse que o art. 283 do Código de Processo Penal é constitucional, diante do que estabelece o art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

Então, vejamos. Assim reza o artigo 283 do Código de Processo Penal: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou preventiva”.

E o já badalado artigo 5º, inc. LVII estabelece: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Qualquer pessoa ligeiramente alfabetizada encontrará um acasalamento perfeito entre o artigo da lei ordinária e o artigo da Constituição. E quem conhece a Constituição sabe que o artigo 283 não passa de cópia parcial do inciso LXI do art. 5º da mesma CF.

Mas os advogados gastaram litros de saliva para sustentar o óbvio. Pior ainda o Supremo Tribunal Federal, que precisou de três semanas, de sonolentas e prolixas laudas, dos xingamentos do Gilmar Mendes, da ladainha de adjetivos e advérbios do Celso de Mello e da Rosa Weber empastelando o vernáculo, para mostrar, num plenário saturado de narcisismo, que o círculo é redondo.

O espetáculo, que mais serviu para escandalizar do que para arrancar interjeições de júbilo, poderia ter sido evitado com uma leitura inteligente do inciso I, letra “a”, do artigo 102 da Constituição Federal: tanto a ação direta de inconstitucionalidade, como essa excrescência burra chamada declaratória de constitucionalidade têm como objeto “lei”, e não artigos de lei isolados em casos concretos.

Senso prático e objetividade são frutos da inteligência. Constituinte chama-se a um saco que mistura doutores e analfabetos. E o STF prefere teatralizar espetáculos de mau gosto do que dar lições de sabedoria.


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