A LINGUAGEM DO TOFFOLI
João Eichbaum
"A conclusão do meu
voto, evidentemente, na medida em que eu entendi como estão as teses colocadas,
evidentemente que cai a liminar, que a liminar era até a conclusão do
voto".
É assim mesmo. É isso
mesmo que vocês estão lendo. Essas são palavras atribuídas a um ministro do
Supremo Tribunal Federal, que se diz “chefe do Poder Judiciário”, porque está
no exercício da presidência daquela Corte. O texto se encontra na página da BBC
News.
Onde está o predicado?
Onde está o verbo com a função de definir a ação do sujeito, que aparece em “ a
conclusão do meu voto”? Não. Não há predicado na frase. Para nada presta o
sujeito.
A indigesta repetição do
advérbio “evidentemente” trai o engasgo, a falta de vocabulário adequado para
expressar o pensamento, ou a ausência de ideias, de lucidez, de capacidade para
a pronta elaboração do discurso, com relação à resposta exigida.
A expressão “na medida
em que” revela o nível de desconhecimento da pureza da linguagem. Seu emprego
lhe retira qualquer sentido na locução representada pela oração “eu entendi
como estão as teses colocadas”. Quem domina o vernáculo sabe que a expressão
correta é: “à medida que”.
O uso da conjunção “que”
indica uma oração subordinada: “evidentemente que cai a liminar”, “que a
liminar era até a conclusão do voto”. São portanto duas orações subordinadas.
Mas, e a oração principal onde está? Só pode estar escondida na indigência de
comunicação, impedindo um ministro do Supremo Tribunal Federal de mostrar a
cultura compatível com o cargo que exerce.
Essa frase que,
analisada do ponto de vista gramatical, não tem pé nem cabeça, porque não passa
de um amontoado de palavras, saiu da boca do ministro Dias Toffoli, quando lhe
cobraram explicações a respeito de um voto ininteligível dele sobre
investigações da COAF. Foi um voto cuja leitura exigiu mais de quatro horas, ao
cabo das quais ninguém entendeu nada.
Que tortura, que massacre, que dano para o
ouvido, para o corpo e para a alma ouvir, durante tanto tempo, o ininteligível,
o complicado, o obscuro, o discurso babado de digressões.
O ministro José Roberto
Barroso, que é, sem dúvida, o mais culto de todos os togados do Supremo
Tribunal Federal, e o mais prendado de recursos de retórica, não se conteve
diante da falta de objetividade, de clareza, de suporte lógico no voto de
Toffoli. Para comentar o trabalho do colega, Barroso usou de humor ferino:
“deviam chamar um tradutor de javanês”.
A facilidade da
informática ajuda a alongar discursos, a robustecer sentenças, votos,
pareceres: copia daqui e bota lá. O texto já vem pronto, dispensa o raciocínio.
É muito fácil copiar o que fulano disse, o que beltrano ensina, o que pensam os
expoentes da ciência jurídica. Mas quando se trata de tema virgem, ainda não
abordado pelo sicrano, nem pelo beltrano, a ausência de criatividade, gerada
pelo desuso do raciocínio, põe na enrascada a quem precisa discorrer sobre
assunto que não se encontra na internet. Aí, só falando em javanês.
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