O VEXAME OFICIAL
João Eichbaum
Vivemos num país fora dos trilhos, onde
as instituições não passam de sombras dos indivíduos que deveriam ser meras
peças de suas engrenagens: o Alcolumbre aqui, o Maia lá, o Toffoli acolá. O
Judiciário desdenha da Constituição e legisla; o Legislativo só faz politicalha,
menospreza os interesses do povo que o elegeu, ignora a moralidade, e legisla
em causa própria; o Executivo, atrapalhado que nem cego em tiroteio, troca de
ministros, fazendo os ministérios funcionarem com uma rotatividade de motel. Tenta
legislar, mas não consegue, porque o Judiciário lhe aborta as medidas
provisórias.
O que mais se faz nesse país são leis:
leis imprestáveis, leis que ninguém cumpre, leis daninhas, tipo fundos
partidários e outras safadezas. E faltam juristas com conhecimento de causa, para
cobrar do Judiciário a função específica de julgar. E falta um povo que escolha
legisladores sábios, decentes. Falta um povo que cumpra religiosamente as leis,
mostrando que basta a decência dos cidadãos, para que o país possa entrar nos
eixos sem a farra legislativa.
Por exemplo, a Lei n° 13.964, de 24 de
dezembro de 2019, que criou o tal de “Juiz das Garantias” na véspera do Natal,
é uma coisa tão boa e tão aproveitável para a vida dos cidadãos, como o incenso
e a mirra que os Reis Magos levaram de presente para o menino Jesus.
Sua imprestabilidade salta aos olhos de
qualquer jurista, que não seja desses analfabetos funcionais, cuspidos no
mercado aos milhares, por faculdades de Direito cujo objetivo é vender diplomas
para pessoas de tal estrato cultural. Com o olho no vernáculo e na técnica
legislativa, nem a ementa dessa lei se aproveita, porque é de uma indigência
inqualificável: “aperfeiçoa a legislação penal e processual penal”. Ementa,
senhores congressistas e especialistas do Direito em geral, que não dominam o
vernáculo, ementa significa “resumo”, “sumário”. A função da ementa é resumir o
conteúdo da lei. “Ementa” não é sinônimo de finalidade.
Seu artigo 1º, cópia da ementa, mais
parece extrato de latrina jurídica do que qualquer outra coisa: “esta lei
aperfeiçoa a legislação penal e processual penal”. Putz! Não haveria, em todo o congresso
nacional, um legislador agraciado com menos analfabetismo filosófico-jurídico,
que pudesse alertar para o disparate desse artigo? Ou todos os congressistas já
conheciam essa divisão das leis, as que aperfeiçoam e as que esculhambam com o
ordenamento jurídico?
Não há como fugir dessa conclusão, se é
preciso escrever, no seu artigo 1º, que a tal lei se destina a aperfeiçoar seja
lá o que for. Texto de lei sem sentido imperativo não é lei. A ordem, o
mandamento, a coerção são elementos que distinguem a lei de qualquer outra conversa
fiada. Isso é elementar. De igual imprestabilidade é o artigo 2º: não passa de
um pleonasmo jurídico do artigo 25 do Código Penal.
Enfim, sendo a cara de um Congresso
despreparado, essa lei serve para mostrar que o país só ficará melhor, quando o
povo tirar das cadeiras do Legislativo os fundilhos dos encantadores de burro.