sexta-feira, 31 de janeiro de 2020


O VEXAME OFICIAL
João Eichbaum

Vivemos num país fora dos trilhos, onde as instituições não passam de sombras dos indivíduos que deveriam ser meras peças de suas engrenagens: o Alcolumbre aqui, o Maia lá, o Toffoli acolá. O Judiciário desdenha da Constituição e legisla; o Legislativo só faz politicalha, menospreza os interesses do povo que o elegeu, ignora a moralidade, e legisla em causa própria; o Executivo, atrapalhado que nem cego em tiroteio, troca de ministros, fazendo os ministérios funcionarem com uma rotatividade de motel. Tenta legislar, mas não consegue, porque o Judiciário lhe aborta as medidas provisórias.

O que mais se faz nesse país são leis: leis imprestáveis, leis que ninguém cumpre, leis daninhas, tipo fundos partidários e outras safadezas. E faltam juristas com conhecimento de causa, para cobrar do Judiciário a função específica de julgar. E falta um povo que escolha legisladores sábios, decentes. Falta um povo que cumpra religiosamente as leis, mostrando que basta a decência dos cidadãos, para que o país possa entrar nos eixos sem a farra legislativa.

Por exemplo, a Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que criou o tal de “Juiz das Garantias” na véspera do Natal, é uma coisa tão boa e tão aproveitável para a vida dos cidadãos, como o incenso e a mirra que os Reis Magos levaram de presente para o menino Jesus.

Sua imprestabilidade salta aos olhos de qualquer jurista, que não seja desses analfabetos funcionais, cuspidos no mercado aos milhares, por faculdades de Direito cujo objetivo é vender diplomas para pessoas de tal estrato cultural. Com o olho no vernáculo e na técnica legislativa, nem a ementa dessa lei se aproveita, porque é de uma indigência inqualificável: “aperfeiçoa a legislação penal e processual penal”. Ementa, senhores congressistas e especialistas do Direito em geral, que não dominam o vernáculo, ementa significa “resumo”, “sumário”. A função da ementa é resumir o conteúdo da lei. “Ementa” não é sinônimo de finalidade.

Seu artigo 1º, cópia da ementa, mais parece extrato de latrina jurídica do que qualquer outra coisa: “esta lei aperfeiçoa a legislação penal e processual penal”. Putz! Não haveria, em todo o congresso nacional, um legislador agraciado com menos analfabetismo filosófico-jurídico, que pudesse alertar para o disparate desse artigo? Ou todos os congressistas já conheciam essa divisão das leis, as que aperfeiçoam e as que esculhambam com o ordenamento jurídico?

Não há como fugir dessa conclusão, se é preciso escrever, no seu artigo 1º, que a tal lei se destina a aperfeiçoar seja lá o que for. Texto de lei sem sentido imperativo não é lei. A ordem, o mandamento, a coerção são elementos que distinguem a lei de qualquer outra conversa fiada. Isso é elementar. De igual imprestabilidade é o artigo 2º: não passa de um pleonasmo jurídico do artigo 25 do Código Penal.

Enfim, sendo a cara de um Congresso despreparado, essa lei serve para mostrar que o país só ficará melhor, quando o povo tirar das cadeiras do Legislativo os fundilhos dos encantadores de burro.



Nenhum comentário: