OUTRA VEZ O SENHOR TOFFOLI
João Eichbaum
A tal de NETFLIX deve ser
uma empresa pobre, miserável, esbodegada nas finanças, em estado de agonia, à
beira da falência. Em sua reclamação perante o STF, para exibir um filme chamado “A
Primeira Tentação de Cristo”, deve ter despendido razões capazes de arrancar
lágrimas, de desentranhar suspiros, de abalar sentimentos, de comover o
universo. Ela conseguiu entortar as linhas do Direito no raciocínio de Dias
Toffoli, esse
mesmo senhor que, usando o poder devastador do Judiciário, complicou a vida dos
indefesos brasileiros com o DPVAT.
“ A Primeira Tentação de
Cristo” estava programada para uma exibição especial de Natal de um grupo que
produz vídeos, chamado Porta dos Fundos. Diz-se que o filme escracha Jesus
Cristo, apresentando-o como pederasta ou representando-o por um pederasta. Por
esse motivo uma organização religiosa pediu e obteve em juízo a proibição do
espetáculo.
Então sobreveio a reclamação
da NETFLIX, que amoleceu o coração do ministro Dias Toffoli, produzindo efeitos
no seu raciocínio. E tais foram esses efeitos, que o ministro esqueceu de tudo:
da Constituição Federal, do Código de Processo Civil, do Código Penal, do rito
do procedimento, e até do vernáculo.
Tratava-se de um pedido
unilateral. Ora, o pedido de uma só das partes do processo pesa apenas sobre um
dos pratos da balança da Justiça e prejudica o equilíbrio determinado pelo
artigo 7º do Código de Processo Civil.
O pedido da NETFLIX se
assentava na Constituição Federal, que proíbe censura. Mas a Constituição é
confusa. O artigo 5º, inc. IX, assegura a liberdade de expressão artística,
intelectual, etc. “independente de censura” e no art. 220 proíbe censura. Mas
no inc. VI do artigo 5º estabelece também que “é inviolável a liberdade de
consciência e de crença”. Ah, e na Constituição está escrito que todos seus
dispositivos foram promulgados “sob a proteção de Deus”.
Além disso, o Código Penal
no art. 208, define como crime “vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto
religioso”. E o Código de Processo Civil que no artigo 989, inc. I, no rito da
reclamação, manda ouvir o autor do ato impugnado, no inc. II impõe uma
condição: “se necessário”, ordenar “a suspensão do processo ou do ato
impugnado, para evitar dano irreparável”.
Não se trata de direito
líquido e certo contra a censura. Há dispositivos constitucionais que se
entrechocam e, nesse embate, favorecem ambas as partes: de um lado a produtora
que quer vender seu filme e, de outro, os cristãos que têm por violada sua
crença, e vilipendiada a figura máxima da cristandade. Nesse quadro, não pode
prevalecer a decisão individual de um membro do tribunal. O tema exige análise
multifária.
E o pior é que a decisão de
Dias Toffoli tropeça em primária interpretação de texto. Irreparável é o dano
que não se pode reparar, que não há dinheiro que pague, que represente prejuízo
irreversível. Então, que “dano irreparável” causaria à NETFLIX o adiamento da
exibição do filme? Que “necessidade” teria pressionado sua liberação imediata?
Só na cabeça do ministro escorrem razões que nenhuma lógica desvenda.
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