sexta-feira, 3 de janeiro de 2020


                                                                                         
SANTO É O SEU NOME
João Eichbaum

Em Lucas, capítulo 6, versículos 29 e 30, está assim escrito: “ao que te bate numa face, oferece-lhe igualmente a outra; e ao que tirar a tua capa, não lhe impeças de tirar também a tua túnica”.
Parece que as palavras ditadas pelo Espírito Santo causaram confusão na cabeça daquela senhora de terninho preto e feições orientais, e na do Sumo Pontífice, sua santidade o Papa Francisco, às vésperas do ano novo. O chefe máximo da cristandade, atendendo às recomendações de Deus para apascentar seu rebanho, fazia o tradicional passeio entre as ovelhas que, na praça São Pedro, o ovacionavam com estridentes balidos humanos.
Eis que, de repente, não menos do que de repente, uma dessas ovelhas, vestida exatamente de negro, o segurou pela mão, detendo a trajetória do representante de Deus. Francisco, sobre o qual recaíram as preferências do Espírito Santo através dos votos do colégio cardinalício, quis se desvencilhar das mãos femininas, mas a filha de Eva não o soltou.
Aí é que aconteceu a confusão. Na cabeça da mulher devem ter passado as palavras do Jesus Cristo, que estão no versículo 30, do capítulo 6 de Lucas: “ e ao que tirar a tua capa, não lhe impeças de tirar também a tua túnica”. Ou seja: achando que o papa iria atender à mensagem do filho de Deus, permitindo que ela lhe tirasse até a batina sem reagir,  a piedosa senhora manteve, entre suas mãos, a mão direita do pontífice.
Para quem não sabe, a túnica era uma espécie de saco com três buracos: um para a cabeça e dois para os braços.  Era a única peça que, no tempo de Jesus Cristo, impedia os varões de exibirem suas partes pudendas. Mas, ninguém, nenhum doutor da Igreja, até a noite de 31 de dezembro de 2019, havia ousado cobrar de Jesus Cristo alguma explicação para tanta falta de pudor. Não seria ela, a piedosa seguidora dos ensinamentos cristãos, que iria questionar a exegese do evangelho de Lucas exatamente naquela noite. Jamais lhe teria passado pela cabeça alguma reação contrária do Sumo Pontífice.
Já o dito Pontífice esqueceu completamente o evangelho. Esqueceu a parte aquela de oferecer, quando agredido, a outra face, e a de submissão a qualquer tentativa de despojamento  de sua túnica. Ao sentir a insistência da mulher em segurar-lhe a mão, Sua Santidade, ao invés de oferecer-lhe a face, fez uso de sua manopla de goleiro argentino para dar um safanão na ovelha vestida de negro.
A cena, nada evangélica, correu mundo, rendeu sarro. Só houve uma parte da humanidade que ficou tocada de estupefação: a nossa, a dos cavalheiros que enternecem as mulheres com palavras que não sabem dizer, senão para elas, que as embriagam de amor, produzindo o milagre de fazê-las ouvir na concha da mão as ressonâncias do mar, que nunca deixam de acariciá-las agora para acariciá-las só quando houver tempo; aqueles, enfim, que nem com uma flor bateriam nelas. Mas nós não somos santos. Santo é o nome dele: o Santo Padre.

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