quarta-feira, 15 de abril de 2020


CRÔNICA FORA DA COLUNA
João Eichbaum

Era um espetáculo fascinante. O trem noturno passava, despejando luzes pelas janelas e baloiçando ao som metálico das rodas sobre os trilhos. Os silvos da locomotiva e a fumaça que ela deitava sobre os vagões eram como um sinal de adeus dos que partiam, rumo a uma terra longínqua e desconhecida chamada São Paulo.
Mas a esse espetáculo que, nas noites de Cruz Alta, atiçava nele a ambição de ser ferroviário, o menino teve que renunciar. Órfão de pai, aos 12 anos teve que atender ao chamado da vida para o campo de luta: precisava ajudar no sustento da mãe e dos irmãos.
Então teve sua primeira profissão: garçom. Às dez e meia da noite, enquanto o trem passava, ele limpava as mesas do bar. Nessa hora, só elas, que lhe aparavam as lágrimas, ficavam sabendo da dor que lhe causavam os sonhos interrompidos pela desgraça de ser órfão.
Elas, as mesas de bar, suas primeiras confidentes, nunca mais deixaram de sê-lo. Sobre elas, as lágrimas dele desapareciam. E ele nunca deixou de procurá-las: quer por causa dos trens que, na desordem da vida, partiram sem volta, quer pelo trem que o levou para sempre, no último vagão, abanando um lenço para quem não veio lhe dizer adeus.
Por isso, até hoje, sempre que pode, ele homenageia as mesas de bar. Como na “CRÔNICA DE UM AMANTE DESVAIRADO”...

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