sexta-feira, 10 de abril de 2020


CRÔNICA DE UM AMANTE DESVAIRADO
João Eichbaum

Queria meter minhas pernas entre as suas, e assim ficar, nesses momentos que não passam, à espera do orgasmo retardado, que há de explodir no fim dessa solidão coletiva decretada por lei. Queria me debruçar sobre você, para amansar essa loucura de me sentir sozinho, no meio de todos.

De repente, a vida parou, tudo parou em torno de nós, e eu fiquei sem você, irritado, ciumento, infeliz. Os caminhos que me levavam até você  foram bloqueados, como se estivéssemos em guerra. A paisagem, que mudava a cada dia,  deixou de mudar, se transformou num quadro sem moldura, estático, sem movimento de mutação. Eu quis reagir, mas não pude, porque também estou confinado, com um movimento de poucos passos, estagnado dentro de mim mesmo.

O mundo em que estou vivendo passou a ser antigo, porque não consegue mudar. As coisas que fazem parte dele não se mexem. Parece que até os pássaros se transformaram em pedras. Querendo sair de dentro de mim, vou até a janela em busca de vida, procurando dar para  meus olhos uma paisagem melhor do que o vazio que me cerca. Debalde, as ruas estão desertas, não há viva alma, nem um cachorrinho extraviado. Minha impressão é de que o mundo está acabando de uma forma não prevista no apocalipse, mansamente, sem terror coletivo, como quem se despede devagar, e para sempre.

E eu sem você, desvalido, nesse triste fim de mundo. Se a cigana de olhos verdes que me leu a mão tivesse avisado, eu não teria me desgrudado de você. Agora, a meu redor, ninguém há para me resgatar da certeza de que a vida tinha que se esvair, tinha que se despedir do mundo, quando eu estivesse longe de você.

Como é que está acontecendo isso assim, de repente, com as coisas deixando de ter vida própria, porque existe um vírus percorrendo o mundo e limitando tudo o que se pode e o que se deve fazer? Minha vida, meu emprego, meu futuro, dependem dele. Mas, por enquanto, o mundo está parado, dentro e fora de mim, me deixando num âmbito de outra época.

Parece que meu cérebro está secando, que meu coração bate muito pouco. Minha vida está sendo interrompida pelo pânico de viver sem você. Me proibiram de estar com você. A lei está nas ruas à espreita de velhinhos, que saem à cata da vida. E minha vida sem você não é vida. É sobre você que eu me debruço, para contar histórias de amores perdidos. É apoiado em você que me afogo no choro, falando de ilusões desmanteladas e esperanças que não se realizaram.

Queria ter minhas pernas entre as suas e assim ficar, em silêncio, deixando a vida passar. E deixando a morte chegar. Não me importaria que você me contaminasse com o vírus. Não tenho medo da morte. Não tenho medo da febre, da falta de ar. Só não queria ficar longe de você, enquanto viver, minha mesa de bar...!


Nenhum comentário: