CRÔNICA
DE UM AMANTE DESVAIRADO
João Eichbaum
Queria meter minhas
pernas entre as suas, e assim ficar, nesses momentos que não passam, à espera
do orgasmo retardado, que há de explodir no fim dessa solidão coletiva
decretada por lei. Queria me debruçar sobre você, para amansar essa loucura de
me sentir sozinho, no meio de todos.
De repente, a vida
parou, tudo parou em torno de nós, e eu fiquei sem você, irritado, ciumento,
infeliz. Os caminhos que me levavam até você foram bloqueados, como se estivéssemos em
guerra. A paisagem, que mudava a cada dia,
deixou de mudar, se transformou num quadro sem moldura, estático, sem
movimento de mutação. Eu quis reagir, mas não pude, porque também estou
confinado, com um movimento de poucos passos, estagnado dentro de mim mesmo.
O mundo em que estou vivendo
passou a ser antigo, porque não consegue mudar. As coisas que fazem parte dele
não se mexem. Parece que até os pássaros se transformaram em pedras. Querendo
sair de dentro de mim, vou até a janela em busca de vida, procurando dar
para meus olhos uma paisagem melhor do
que o vazio que me cerca. Debalde, as ruas estão desertas, não há viva alma, nem
um cachorrinho extraviado. Minha impressão é de que o mundo está acabando de
uma forma não prevista no apocalipse, mansamente, sem terror coletivo, como
quem se despede devagar, e para sempre.
E eu sem você, desvalido,
nesse triste fim de mundo. Se a cigana de olhos verdes que me leu a mão tivesse
avisado, eu não teria me desgrudado de você. Agora, a meu redor, ninguém há para
me resgatar da certeza de que a vida tinha que se esvair, tinha que se despedir
do mundo, quando eu estivesse longe de você.
Como é que está
acontecendo isso assim, de repente, com as coisas deixando de ter vida própria,
porque existe um vírus percorrendo o mundo e limitando tudo o que se pode e o
que se deve fazer? Minha vida, meu emprego, meu futuro, dependem dele. Mas, por
enquanto, o mundo está parado, dentro e fora de mim, me deixando num âmbito de
outra época.
Parece que meu cérebro
está secando, que meu coração bate muito pouco. Minha vida está sendo
interrompida pelo pânico de viver sem você. Me proibiram de estar com você. A
lei está nas ruas à espreita de velhinhos, que saem à cata da vida. E minha
vida sem você não é vida. É sobre você que eu me debruço, para contar histórias
de amores perdidos. É apoiado em você que me afogo no choro, falando de ilusões
desmanteladas e esperanças que não se realizaram.
Queria ter minhas pernas
entre as suas e assim ficar, em silêncio, deixando a vida passar. E deixando a
morte chegar. Não me importaria que você me contaminasse com o vírus. Não tenho
medo da morte. Não tenho medo da febre, da falta de ar. Só não queria ficar
longe de você, enquanto viver, minha mesa de bar...!
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