quinta-feira, 1 de outubro de 2020

 

O ADEUS DO PODER

Saulo Ramos não foi ministro do Supremo Tribunal Federal.  E a razão é muito simples: um ser humano com sua estatura intelectual não tem padrinhos. Porque o padrinho precisa ter mais qualidades do que o afilhado, quando se trata de arrumar um cargo público tão charmoso, como esse de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Saulo Ramos tinha, isso sim, cacife, era respeitado. Sabia escrever, como poucos. Sabia se expressar com elegância, sem ornamentos fúteis na escrita, sem o estilo rebuscado, temperado com vocábulos catados no dicionário. Sabia se comunicar sem rodeios, com objetividade.

Então, ele jamais necessitaria de padrinhos para concorrer a uma vaga no Supremo, porque não havia padrinhos com cacife suficiente para superar o dele. Não havia padrinhos mais sábios, mais respeitáveis do que ele no governo José Sarney. Mas, em compensação, ele podia ser padrinho, e na certa era disputado como tal. E foi como padrinho que ele ajeitou a carreira do então promotor de Justiça Celso de Mello, transformando-o em ministro do STF.

Celso de Mello virou notícia, quando Sarney se candidatou a Senador pelo Amapá. Impugnada a candidatura do astuto político, o caso foi parar no Supremo. O voto de Celso de Mello era de favas contadas a favor de Sarney, que o nomeara ministro do Supremo. Mas, não. Celso de Mello votou contra Sarney.

No dia seguinte, cobrada por Saulo Ramos, via telefônica, a razão pela qual Mello tinha negado a causa do ex-presidente, o então novel ministro do STF explicou. Os jornais da véspera davam como certo seu voto a favor do Sarney. Por isso, ele esperou a votação dos demais ministros e, vendo que seu voto não alteraria o resultado, votou contra seu benfeitor.

Saulo Ramos, então lhe perguntou: se do seu voto dependesse o resultado, o que faria ele. Mello respondeu que votaria em favor de Sarney. Aí, Saulo foi curto e grosso, comparando o afilhado Celso de Mello àquele produto trabalhado pelos intestinos, que obriga o ser humano à mais abjeta solidão.

Marcas ignominiosas se tornam indeléveis na vida pública. Mello, porém, nunca mostrou cara de choro, porque foi anestesiado pelo puxassaquismo, e teve atrelado a seu nome o aposto “respeitável decano”. Mas, bem mais curto do que seus prolixos votos, o tempo o aproximou do fim dessa glória.

O inquérito no qual Celso de Mello amarrou o presidente Jair Bolsonaro, lhe rendeu alguma dor de cabeça, em razão de suas decisões pouco ortodoxas. A última delas, determinando o interrogatório do presidente perante a polícia, foi a gota d’água que faltava para tirar do decano a última palavra. Houve recurso e o ministro Marco Aurélio entregou ao Pleno do Tribunal a controvérsia.

Então, antes que sua decisão fosse pendurada no rol dos erros, antes que, no fim da carreira, fosse ele carimbado com a mesmo rótulo que, no início, lhe pespegara Saulo Ramos, Celso de Mello pediu as contas. Para sua sorte, tem bons motivos para explicar, a quem lhe cobrar a antecipada atitude: recomendação médica.

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