O ADEUS DO PODER
Saulo Ramos não foi ministro do Supremo Tribunal
Federal. E a razão é muito simples: um
ser humano com sua estatura intelectual não tem padrinhos. Porque o padrinho
precisa ter mais qualidades do que o afilhado, quando se trata de arrumar um
cargo público tão charmoso, como esse de ministro do Supremo Tribunal Federal.
Saulo Ramos tinha, isso sim, cacife, era
respeitado. Sabia escrever, como poucos. Sabia se expressar com elegância, sem
ornamentos fúteis na escrita, sem o estilo rebuscado, temperado com vocábulos
catados no dicionário. Sabia se comunicar sem rodeios, com objetividade.
Então, ele jamais necessitaria de padrinhos para
concorrer a uma vaga no Supremo, porque não havia padrinhos com cacife
suficiente para superar o dele. Não havia padrinhos mais sábios, mais
respeitáveis do que ele no governo José Sarney. Mas, em compensação, ele podia
ser padrinho, e na certa era disputado como tal. E foi como padrinho que ele
ajeitou a carreira do então promotor de Justiça Celso de Mello, transformando-o em ministro do STF.
Celso de Mello virou notícia, quando Sarney se
candidatou a Senador pelo Amapá. Impugnada a candidatura do astuto político, o
caso foi parar no Supremo. O voto de Celso de Mello era de favas contadas a
favor de Sarney, que o nomeara ministro do Supremo. Mas, não. Celso de Mello
votou contra Sarney.
No dia seguinte, cobrada por Saulo Ramos, via
telefônica, a razão pela qual Mello tinha negado a causa do ex-presidente, o
então novel ministro do STF explicou. Os jornais da véspera davam como certo
seu voto a favor do Sarney. Por isso, ele esperou a votação dos demais
ministros e, vendo que seu voto não alteraria o resultado, votou contra seu
benfeitor.
Saulo Ramos, então lhe perguntou: se do seu voto
dependesse o resultado, o que faria ele. Mello respondeu que votaria em favor
de Sarney. Aí, Saulo foi curto e grosso, comparando o afilhado Celso de Mello
àquele produto trabalhado pelos intestinos, que obriga o ser humano à mais
abjeta solidão.
Marcas ignominiosas se tornam indeléveis na vida
pública. Mello, porém, nunca mostrou cara de choro, porque foi anestesiado pelo
puxassaquismo, e teve atrelado a seu nome o aposto “respeitável decano”. Mas,
bem mais curto do que seus prolixos votos, o tempo o aproximou do fim dessa
glória.
O inquérito no qual Celso de Mello amarrou o
presidente Jair Bolsonaro, lhe rendeu alguma dor de cabeça, em razão de suas
decisões pouco ortodoxas. A última delas, determinando o interrogatório do
presidente perante a polícia, foi a gota d’água que faltava para tirar do
decano a última palavra. Houve recurso e o ministro Marco Aurélio entregou ao
Pleno do Tribunal a controvérsia.
Então, antes que sua decisão fosse pendurada no
rol dos erros, antes que, no fim da carreira, fosse ele carimbado com a mesmo
rótulo que, no início, lhe pespegara Saulo Ramos, Celso de Mello pediu as
contas. Para sua sorte, tem bons motivos para explicar, a quem lhe cobrar a
antecipada atitude: recomendação médica.
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