LOCUÇÃO PREPOSITIVA
Em
editorial intitulado “A Lei não é o Problema”, o jornal Estadão enaltece a
decisão de Marco Aurélio, que mandou soltar o traficante André do Zap. Diz o editorial que “as disposições legais
vigentes não são apenas corretas, como essenciais...” E cita o parágrafo único
do art. 316 do CPP: “decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da
decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias,
mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.
São dois os problemas: a lei e os que não sabem ler. O aprendizado
do idioma que não foi regado com boas leituras dá nisso. As pessoas juntam as
letras e formam palavras. Mas, não entendem o texto, porque o léxico pobre as
impede de gerir aquele processo de inteligência, que envolve conhecimentos
gramaticais.
Que o povo fique só nas palavras, sem atinar com o verdadeiro
sentido de sua expressão, vá lá. Mas que jornalistas não saibam joeirar
gramaticalmente um texto, é imperdoável. Mesmo que tenham sido arrastados ingenuamente
pela ilusão de que “notório saber jurídico” é a trena de medir toga de ministro
do STF em senhores de augusta sabedoria.
Todo mundo sabe que não é bem assim. Todo o mundo sabe que, na
selva da politicagem, a Constituição Federal é interpretada ao sabor de
interesses pessoais ou de grupos, e que, para ser ministro do STF, requisito
indispensável é só ter padrinhos no poder.
A locução prepositiva é uma expressão com função conectiva, destinada
a ligar termos ou orações, fazendo as vezes de preposição. “Sob pena de” é uma
locução prepositiva que significa “estar sujeito” a possíveis consequências.
Por exemplo, na entrada de uma caverna pode haver um cartaz assim:
“não entre, sob pena de ser devorado por um leão”. Isso não quer dizer que haja
um leão lá dentro. Tanto pode ser a morada de um leão, como um lugar
habitualmente visitado por leões. Não quer dizer que basta entrar na caverna,
para ser devorado por um leão. O leão pode estar dormindo, pode não ter dentes,
pode estar saciado... Então, quem entrar lá “está sujeito”: estará se expondo a
virar comida. Trata-se de advertência, e não de um juízo perfeito e acabado,
tipo: entrou, tá ralado.
Se a redação do parágrafo único do art. 316 do CPP foi movida pela
intenção que, no dispositivo, Marco Aurélio e os editorialistas leram, o
legislador é ruim no vernáculo. Além de desconhecer o sentido da locução “sob
pena de”, deixou a oração “tornar a prisão ilegal” à mercê de sujeito ambíguo,
omitindo o reflexivo “se”, que definiria aquela função gramatical. E, sem
técnica legislativa, emprestou natureza de perempção à inatividade judicial,
criou outra prisão provisória, e enxertou um “de ofício” que exclui
requerimentos.