INCONGRUÊNCIAS
E FIASCOS
De
modo geral, o ser humano se considera bem mais importante do que ele realmente
é. Filósofos e religiosos, fechando os olhos para a natureza animal dessa
criatura, acabam lhe inculcando a ideia de que é um ente revestido de dignidade,
com direito à vida eterna.
Distorcendo
a realidade de que somos apenas uma espécie, a dos vertebrados bípedes falantes,
pertencente ao gênero animal, se aproveitaram os mais ambiciosos, os menos
escrupulosos, para estabelecer uma hierarquia. Essa hierarquia compreende uma
casta armada que detém o poder, estabelecendo as regras para o estrato social
inferior, desarmado. E isso tanto no
plano laico como no plano religioso.
Os que
mandam, o fazem segundo suas conveniências; os que obedecem ficam nivelados
pela régua da lei ou dos costumes impostos, como esse de amar a Deus, quando o
que o homem mais ama, acima de todas as coisas, é a vida, sem nunca dispensar
uma saidinha com a mulher do próximo.
No
Brasil, esse quadro das diferenças entre servos e poderosos, tem se acentuado
de forma escandalosa ultimamente, com a
vantagem de mostrar, para os servos, que os poderosos não são melhores do que
ninguém, nivelados que estão, pela natureza animal, a todo mundo.
Acontece
que as normas, as regras, o arcabouço do poder, enfim, têm suas falhas, seus
furos, seus remendos, denunciando a fraqueza dos degraus da hierarquia.
No
caso Marco Aurélio-André do Rap todas essas fraquezas vieram à tona. Alegando
ter aplicado apenas a letra da lei, o ministro Marco Aurélio mandou soltar
imediatamente a André do Rap, poderoso e endinheirado traficante.
A
ordem de Marco Aurélio, mais do que estranheza, desatou clamor público, reação
da qual os poderosos hoje não podem fugir, diante da força das redes sociais. O
impacto então bateu em Luiz Fux, presidente do STF. Num esforço para salvar a
honra da instituição, cassou os efeitos da medida decretada pelo colega, entregando
ao pleno do tribunal o julgamento da questão.
Então
vieram a furo vaidades, egoísmo, pobreza intelectual, ingredientes impróprios à
composição do conceito de dignidade. O primeiro a exibir a chaga de sua vaidade
atingida foi Marco Aurélio, recusando a Luiz Fux o status de instância superior
à sua. Ao invés de se limitar a julgar o conflito, tornou-se um personagem
dele, como vítima da decisão de Fux.
No
plenário, foi discutida preliminarmente a legalidade do ato que suspendera a
soltura do traficante. Na sua vez, Gilmar Mendes, com pose de catedrático,
gastou duas horas para dizer que a medida de Fux não tinha amparo legal. Mas,
acabou se expondo ao ridículo da incongruência:
aprovou o ato que havia considerado ilegal. Foi como se o advogado do
diabo lhe tivesse assoprado que as evidências de seu discurso estavam manchadas
de dúvidas.
Com
exacerbada irresignação, só semelhante à de quem perde todas as fichas no jogo,
Marco Aurélio protagonizou a vulgaridade do espetáculo. Como torcedor xingando
o juiz, borrifava invectivas contra Fux. E pela TV Justiça, funcionando como
esgoto a céu aberto, escorria a dignidade...
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