O DOUTOR DE LA CORUÑA
Sabe aquele cara que, chegando com um sorríso amável, tão
amável que parece antigo, de muitos tempos vividos, passados juntos, tipo gente
de casa, ganha toda a confiança de você? Ele entra na sua vida como um raio de
luz que jamais se apagará, põe ritmo no seu fôlego, acalma seu coração, põe
você noutro mundo.
E quando ele começa a falar, você é arrastado, em poucos
segundos, pela sensação de que o sujeito é aquela criatura enviada por Deus,
para botar sua vida em ordem, para esquecer sua dor nas costas, para zerar o
saldo negativo que você tem no banco, para encaixar tudo e não deixar nada fora
do lugar. Então ele diz a que vem, depois de ter captado você nas redes da
sedução, que ele maneja com perícia exemplar.
O galante, o conversador, o mágico da palavra e dono de um
sorriso inimitável, não é nada mais, nada menos, do que um vendedor de plano
funerário. E que foi contemplado por Deus com o dom da sedução. Então, ele, que
veio arrastado pela tentativa de lhe vender um plano funerário, acaba, com
calma e minúcias, lhe vendendo três.
Sim, existe esse tipo. Existem encantadores de burro, como
os há de serpentes. Existem aqueles que hipnotizam com um olhar, com um sorriso
e depois deitam um verbo que desmoraliza qualquer contestação. Tanto existem
que o Código Penal Brasileiro lhes dedica um capítulo inteiro.
Mas, nem todos os dotados pelo Espírito Santo com arte de
cativar, enveredam pelo caminho do crime. Vender planos funerários, por
exemplo, não é crime. Há os que aproveitam esse dom divino, para se dar bem na
vida, sem fazer esforço.
Vejam o que aconteceu para Bolsonaro. Levado pelo piauiense
Ciro Nogueira, líder do “Centrão” no Senado e enredado na Lava Jato, o seu conterrâneo,
Kassio Marques, foi ao Palácio do Planalto pedir uma mãozinha do presidente
para vestir toga de ministro do STJ. Carregava debaixo do braço o currículo, atestando
pós-graduação em La Coruña. E chegou com aquele sorriso amável e o jeito de
falar cativante. Em poucos minutos recebeu uma resposta que não esperava: seria
indicado para o STF. Sucesso que nenhum vendedor de plano funerário sonhou.
O resto da história é conhecido. Os encantos do piauiense
foram se alastrando. Chegaram ao Toffoli, e até ao sisudo Gilmar Mendes. Rolou
rock, pizza, futebol do brasileirão na casa do Toffoli. E trocaram afetuosos
abraços heterossexuais, pescoço com pescoço, a mão de um quase encostando na
bunda do outro, Bolsonaro e Toffoli. Assim, terminaram em abraços, carícias e
pizza as bravatas de um cabo e um soldado fechando o Supremo...
No beija-mão aos senadores, ritual enxertado nos pré-requisitos
para se tornar ministro do STF, Kassio esmerilhou frases coleantes, respondeu
com jeito de muçum ensaboado a temas como “lava jato” e prisão em segunda
instância, distribuindo seus encantos. Kátia Abreu não escapou ao feitiço. Ignorando
a inexistência do pós-graduação em La Coruña, a senadora se rendeu, suspirosa:
“ele é carismático...”
Nenhum comentário:
Postar um comentário