SEM A
LÍNGUA, NÃO HÁ CIÊNCIA
Além
de arruinar a economia, fazendo sumir o dinheirinho da poupança dos brasileiros,
Fernando Collor nos deixou como herança seu primo, Marco Aurélio Farias de
Mello, transformado em ministro do Supremo Tribunal Federal. E sabem donde ele
tirou o primo, para promover essa façanha? Do TST, onde o dito foi parar,
depois de ter apeado da garupa do quinto constitucional, reservado ao
Ministério Público, no TRT1. Só que o “Ministério Público”, onde estivera lotado
Marco Aurélio, não passava de uma sinecura criada por Getúlio Vargas, para
aninhar afilhados políticos, então sem concurso, ganhando muito e trabalhando
pouco: a Procuradoria do Trabalho.
Esse é
currículo do ministro que, lendo o parágrafo único do art. 316 do Código de
Processo Penal, introduzido pela Lei nº 13.964/19, sem atinar com o sentido do
texto, concedeu imediata liberdade a um poderoso traficante de drogas. Olhem o
que diz o tal parágrafo: “Decretada a
prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de
sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de
ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.
Para
começar, uma informação: essa lei, a 13.964, gerada na barriga de um pacote
chamado “anticrime”, acabou dando à luz, nas trevas do Poder Legislativo, a um
texto deformado, aleijado, parido entre os excrementos das más intenções,
exatamente a serviço do crime, como as novidades do “juiz das garantias”, e
esse parágrafo único, introduzido nela à undécima hora, para servir
eventualmente a encrencados na Lava Jato e nas “rachadinhas”.
Sérgio
Moro, então Ministro da Justiça, alertara Bolsonaro, instando-o a opor veto a
esse maldito parágrafo, que repugna a quem conhece o estado permanentemente
falimentar da Justiça brasileira. Mas, Bolsonaro deu de ombros para a
admoestação, em nome e por conta de interesses políticos, dizendo que “não
podia dizer sempre não ao Poder Legislativo.” O argumento por ele usado, se é
que merece o nome de argumento, não passa de desculpa esfarrapadíssima,
capenga, produzindo a impressão de que o interesse da sociedade é um assunto
menor do Estado. Talvez tenha nascido aí a ideia de “terminar com a Lava Jato”.
Determinando
a soltura de poderoso traficante com base nesse ominoso parágrafo, Marco
Aurélio se deixou embriagar pelo poder que desconhece a prudência. Aplicou a
lei, sem os pudores da hermenêutica. Com isso desatou um clamor social que
mexeu com as estruturas do STF. Seus colegas gastaram duas tardes com as
lengalengas sonolentas de sempre, quando bastaria uma simples menção ao
vernáculo.
A
questão é de uma simplicidade infantil. A locução prepositiva “sob pena de” esboça
apenas a “possibilidade” da geração de consequências: no caso, a de “tornar a
prisão ilegal”. A omissão do juiz poderá, ou não, “tornar a prisão ilegal”.
Quem domina o vernáculo jamais extrairá daquele texto a conclusão de que tal
omissão acarreta, “ipso facto”, a ilegalidade da prisão. Mas, para ser ministro
do STF se exige “notório saber jurídico” de quem não sabe utilizar o único
instrumento do Direito: a linguagem.
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