sexta-feira, 28 de maio de 2021

 

VELHOS OU MOÇOS?

Quem é que faz crescer a economia de um país? Os velhos ou os jovens? Quem é sustenta o tesouro da previdência, para que ela garanta a aposentadoria dos velhinhos? Se uma pandemia exterminar ou, pelo menos, enfraquecer a mão de obra que alavanca o crescimento de um país, produzindo emprego e renda,  o que acontecerá para o país e para os velhinhos que dele dependem? E para as crianças?

Essas são perguntas primárias, que encontram eco nas respostas mais óbvias. Mas, a hipocrisia e um sentimentalismo doentio, sem os pés no chão, sem atenção e sem respeito pelas leis da natureza, levaram os líderes da humanidade a agir contra as essas leis, nesse naufrágio chamado Covid 19, que ameaça o mundo: primeiro os velhos!

Aí, os velhos foram submetidos a aglomerações, a virem das vilas para os centros das cidades empilhados no transporte coletivo ou levados a tirar os moços do trabalho para os conduzirem ao “drive thru”...

E enquanto isso, os jovens, que sustentam o crescimento do país, alavancando a economia pelo trabalho, amontoam-se em trens e ônibus, se expondo ao vírus, ou transmitindo-o. E esses mesmos jovens que precisam motivar a vida, para poderem trabalhar, estão sendo impedidos de frequentar festas, bares, restaurantes, outro setor de que depende a economia.

Pandemia, senão é pior, é igual a guerra. Alguém tem que morrer. Sejamos realistas. Preservemos os que precisam ser preservados. Deixemos que se preservem por si mesmos aqueles que não necessitam se expor. Essa é a lógica.

Ah, mas se não forem preservados os velhos, que são os mais suscetíveis à epidemia, ficarão superlotados os hospitais, o sistema de saúde se exporá ao caos... Não há dúvida de que isso acontecerá, se os velhos, que podem se preservar, não o fizerem.

Então, em última análise, a vida, que move o mundo, depende da escolha pessoal dos velhos, desses que ficam em casa, sem fazer nada: é a conclusão desse juízo de desvalor a que foi submetida a humanidade.

 

 

sexta-feira, 21 de maio de 2021

 

VAGABUNDO

O senador Flávio Bolsonaro chamou Renan Calheiros, o eterno senador das Alagoas, de vagabundo. O adjetivo, que também pode ser usado como substantivo, soou em plena sessão de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Dita comissão, presidida pelo também dito Renan Calheiros, tem em mira a investigação de procedimentos do Poder Executivo (leia-se Jair Bolsonaro) nessa calamidade da saúde provocada pelo Covid 19.

O uso do aludido vocábulo, no - imaginem!- depurado ambiente do Senado Federal, onde só se pronunciam discursos num vernáculo apurado e depurado de palavras com duplo sentido, não poderia senão exigir a reunião de outra comissão, para enquadrar Flávio Bolsonaro em “falta de decoro parlamentar”.

Fazer soar no ambiente puro do Senado uma palavra desse calibre, é não conhecer a honra daquela casa, os pundonores do parlamento, desrespeitando os costumes que lá medram. Lá vale mais o que se faz do que o que se diz.

Vagabundo não é uma palavra compatível para definir qualquer membro daquela casa de senhores com mais de trinta e cinco anos de idade. Vagabundos não cuidam de si próprios. Mas, os excelentíssimos senhores senadores da república, sabem cuidar de si. E sabem cuidar muito bem. Verbas de gabinete, planos de saúde que vigoram até a morte, diárias, aprovações ou desaprovações de projetos legislativos em troca de verbas e cargos nas funções públicas de alto quilate, as mais variadas espécies de indenizações, como passagem aéreas e outras assemelhadas, são uma prova inconteste de que eles trabalham.

Vagabundo? Que palavrão detestável para quem precisa dar presença de terça a quinta-feira na casa, todas as semanas, menos no recesso parlamentar e nos feriadões custeados pelo tesouro? Vagabundos eles, os senadores, que deixam dormir, nas comissões e nas gavetas, projetos de lei que poderiam prevenir o povo de muitas desgraças públicas?

Lá não é vagabundo quem é pego escondendo dinheiro de propina nas cuecas, quem enriquece com dinheiro mal havido, quem se derreia em prerrogativas e se esconde atrás do voto, para não responder por seus crimes.

Lá não é vagabundo quem vê virtude no vício supurante da demagogia, ou quem gasta o dinheiro do contribuinte em folganças que pobre não conhece. Não é vagabundo quem deixa a Constituição entregue ao bel prazer do STF, enquanto o povo é privado do “devido processo legal”, para satisfazer o ego dos togados.

Não é vagabundo quem deixa de aparelhar o Estado com um sistema legislativo que sirva de pálio para abrigar todas as classes sociais, mas enriquece à custa dele, com os fundilhos plantados na cadeira de senador.

Não, o vocábulo “vagabundo” não soa bem dentro daquela augusta casa. Vagabundo não é um palavrão de sentido amplo, que possa abranger toda e qualquer safadeza. Vagabundo é uma palavra muito pobre para definir irresponsabilidades, conchavos em troca de consciência, espírito de vingança, desdém para com o interesse público.

Vagabundo é um vocábulo de sentido deficiente, aleijado, desprovido de força para definir o que o povo consciente pensa das excelências a cujo nome for essa inocente palavra ajoujada.

 

sábado, 15 de maio de 2021

 

O GOLPE DO NAMORO

 

A malícia e a ingenuidade, embora tenham sentidos antagônicos, são propensões que podem coexistir em cada indivíduo da espécie humana. Em intensidade variável, claro, uma sobrepujando a outra. Não há maliciosos que não tenham seus momentos de bobeira. Não há ingênuos que uma hora ou outra não deixem de se antenar na bobagem que estão fazendo.

Uma coisa esse raciocínio revela: ninguém é completamente imune à bobeira das ilusões. As ilusões embriagam facilmente. São armadilhas que as pessoas armam para si mesmas, sem se darem conta disso. Não há estelionatário que não tenha atrás de si uma mulher que, por uma razão ou outra, o seduziu. E, por ela, ele faz qualquer coisa. Não há mulher estelionatária que não pratique suas fraudes, por estar perdidamente apaixonada por um homem que tem maior poder de sedução do que ela. Mesmo que seja só sobre ela.

A internet ou, mais precisamente, as redes sociais foram uma descoberta e tanto para os estelionatários, e uma armadilha facílima de pegar ingênuos – para usar o adjetivo menos pejorativo. E há estelionatários com uma facilidade tal para enganar e ingênuos com uma capacidade infinita de se deixar enganar, que nem Freud explica.

Depois do roubo mundial de dados pessoais, tudo ficou mais fácil para os estelionatários, na proporção do grau de ingenuidade de muitas pessoas. Principalmente mulheres idosas, viúvas ou separadas. Essas facilmente caem nos contos de namoro, se deixam seduzir pela ilusão de que encontraram seu príncipe sonhado, aquele que vai acabar com a solidão delas, transformando a vida num paraíso. A solidão as ensinou a navegar na internet. O ócio da aposentadoria ou da pensão lhes proporciona horas incontáveis para procurar um príncipe. Viúvo é o que morre, como diz o ditado popular. E quem procura, acha. Afinal, a internet está aí para isso mesmo, servindo de armadilha para os otários.

 

 

sexta-feira, 14 de maio de 2021

 

JUÍZO DE VALOR COM ADJETIVOS

Que o Supremo Tribunal Federal se tornou um juizado de pequenas causas, não resta a menor dúvida. É para esse juizado que se dirigem os demagogos, os desocupados da esquerda, os ativistas disso e daquilo, e também os estudantes profissionais acomodados nas universidades públicas à custa de quotas e outras facilidades.

Pois as “lideranças populares” nas quais se inclui um tal de “Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular da Universidade do Rio de Janeiro”, e mais o Partido Socialista Brasileiro ajuizaram, no ano passado,  Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, questionando operações da polícia do Rio de Janeiro. E a medida caiu no colo do Fachin, que bem conhece esse tipo de “lideranças”. Fachin já foi advogado do MST.

“Assessoria Jurídica Universitária Popular”. O nome diz tudo, porque a primeira lembrança que vem à mente de quem conhece as coisas é a República Popular da China. Precisa dizer mais alguma coisa?

Claro que não. Pela presteza do Fachin em determinar providências contra a polícia, fica tudo esclarecido: restringiu ações policiais no Rio de Janeiro, ou seja retirou da polícia o dever do Estado de  prestar segurança à população brasileira.

Semana passada, a polícia do Rio de Janeiro organizou um esquema de guerra, para cumprir mandados de prisão de 21 pessoas na favela do Jacarezinho. Foi armada, naturalmente, com instrumentos que, por si, seriam suficientes, para impor temor e respeito. Mas, mal descera de uma das viaturas que compunham a operação, um policial tombou, morto por tiros que lhe atingiram a cabeça.

Lógico que a reação da polícia foi imediata. E houve muitas mortes, no confronto com os criminosos. 28 mortos. É uma soma muito alta de vidas que se acabam.

No dia seguinte ao confronto sanguinolento, a tal de “Assessoria Jurídica Universitária Popular da Universidade Federal do Rio de Janeiro” enviou vídeos ao Fachin, relator da ADPF 635 que, de imediato, lascou:  "os fatos relatados parecem graves e, em um dos vídeos, há indícios de atos que, em tese, poderiam configurar execução arbitrária". E enviou a matéria para a Procuradoria Geral da República, determinando a averiguação dos fatos.

Fachin mostrou que ainda não assimilou o “modus operandi” da judicatura imposto pela lei e pelas virtudes que própria natureza do cargo exigem, como a serenidade, a postura equidistante, o despojamento de tendências pessoais. E, muito pior, deixou transparecer pouco valor ao princípio constitucional do contraditório. Valeu-se dos vídeos remetidos pela parte interessada, uma atitude unilateral, que certamente, não contém a verdade completa, a de que a polícia só reagiu à violência com que foi recebida.

Além de dar de ombros para o princípio do contraditório, Fachin tentou esconder seu prejulgamento nos verbos “parecer”, no indicativo, e “poder”, no condicional. Mas não conseguiu evitar a adjetivação: “execução arbitrária”, uma conduta que não é prevista, com tal tipificação, na lei penal.

Juízos de valor não são qualificados por adjetivos. E toda a decisão judicial é um juízo de valor. Mas o ministro Luiz Edson Fachin não sabe disso.

 

sexta-feira, 7 de maio de 2021

 

NÃO HAVERÁ OUTRO DIA

As montanhas e  os vergéis de Vale Vêneto serão as mudas, mas eternas testemunhas de seus primeiros espetáculos. Foi lá que ele, ainda antes de se despedir da infância, deixou sua marca como jogador de futebol. Sereno, falando pouco e em voz baixa, era, fora das quatro linhas, o guri que grangeava a simpatia e a admiração dos colegas. Com um domínio de artista da bola, servia de caça para os  adversários, em campo. Era derrubado, levantava, mas não perdia a serenidade, não jogava fora aquela simpatia, em reclamações contra as faltas. Não poucas vezes, com arte e velocidade, driblava quem lhe vinha pela frente e nem o goleiro poupava: transpunha a goleira com a bola grudada no pé e simplesmente a encostava na rede.

O destino o levou para fora de Vale Vêneto. Ainda adolescente, jogou no Riograndense de Santa Maria e de lá veio para o Cruzeiro de Porto Alegre. Mas, uma curva que havia no caminho o levou para a Brigada Militar, onde cursou a academia, tornando-se oficial.

Dos encontros em Vale Vêneto nasceu uma amizade de irmãos. E o bar se tornou ponto de convergência para chopes e papos... Ah, o bar: lá, uma pilha de bolachas de chope era sinal de partida para falar dos sonhos, dos pesadelos, das firmes esperanças, das esperanças perdidas. Lá se vivificavam recordações dos tempos de futebol. Lá eram desfiadas as lembranças de quem se foi, dos companheiros que integraram nossas biografias em rusgas, vitórias, derrotas, desapontamentos...

 

Cofre de confidências, o bar desvendava confissões: de vergonhas que ocupariam um navio, a glórias que caberiam num dedal. Ou vice-versa. O bar! Só lá as conversas se permitiam desandar para temas mais dignos de quem tem uma montanha de bolachas à frente. Como os prazeres da vida, desatados pelas tias, conhecedoras das necessidades dos machos. Elas têm remédios para todos os males, e o jeito manso de lidar como mãe para os queixosos, ou como professora, para os aprendizes... Ah, as tias! Só elas sabem preparar a alma para os deleites do corpo e  transformar uma ilusão em realidade passageira. Como só elas sabem esvaziar bolsos, sem encher as almas de remorsos. E a gente morria de rir!

 

Até que apareceu o maldito Covid... Os bares fecharam. E todos os encontros passaram a ser apenas  esperanças, promessas. Sobretudo, promessas: quando tudo isso passar, a gente se encontra. Quando a vida voltar ao que era, vamos tomar todas. Vamos abandonar esse jeito de freira carmelita, vivendo encerrados e só saindo à rua, com o rosto encoberto, a voz amordaçada. Vamos deixar de ser irreconhecíveis para os amigos. Vamos deixar essa rotina sufocante, essa barbárie de viver a mesma coisa todos os dias.

Uma vida inteira foi ficando para depois. Mas, esse depois não aconteceu. Nada mais rolou, porque a morte chegou antes.

Só resta agora uma triste e dura certeza, coronel Odone Menuzzi: quando eu voltar ao bar, o sal das minhas lágrimas por ti vai estragar o chope.

 

sábado, 1 de maio de 2021

 

DESARRANJOS VERBAIS E INTESTINAIS

O ministro Luiz Edson Facchin não se dá bem com as letras. Sua redação é obscura, coleante, composta de palavras pouco usuais na linguagem comum e, muitas vezes, de nenhum sentido em linguagem jurídica. Esse excerto de sua decisão que anulou, por incompetência do juízo, as condenações do Lula, é uma picante amostra de desarranjos verbais: “Trata-se de questão que agora vem de ser exposta no habeas corpus impetrado em 3.11.2020 em favor de Luiz Inácio Lula da Silva, no qual se aponta como ato coator o acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.765.139, no ponto em que foram refutadas as alegações de incompetência do Juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento da Ação Penal n. 504651294.2016.4.04.7000, indeferindo-se, por conseguinte, a pretensão de declaração de nulidade dos atos decisórios nesta praticados”.

É um período composto por noventa e seis palavras, arrematado com estupefaciente erro de sintaxe. Qualquer pessoa que se atreva a decifrar o sentido que se esconde nessa redação, perde o fôlego, e acaba não entendendo nada. Toda prolixidade já tem, por si mesma, o dom de confundir. Quando a tal chatice se juntam a falta de clareza e a ausência absoluta de objetividade, o que se obtém é o caos linguístico, naturalmente.

“Abyssus abyssum invocat” (um abismo cava outro), já dizia a antiquíssima sabedoria romana. Pois, graças a essa peça do Facchin, maltratando o vernáculo em mais de cinquenta laudas, nasceu a crise político-institucional que ora se abate sobre o Brasil.  O STF acolheu o discurso confuso, disforme, com aleijão sintático. E eis a consequência:  antecipação da campanha para eleições em 2022.

Mau português e má hora, nesse Brasil às voltas com montanhas de mortos, internações, intubações, falta de vacinas, festas desmontadas por prefeitos...  Mas, nem podia ser outra a sina desse país, nascido junto com um desarranjo intestinal do príncipe, aliviado às margens do Ipiranga, né?